Título: Alerta no comércio exterior
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Fonte: O Estado de São Paulo, 14/08/2006, Notas e Informações, p. A3

A exportação continua em alta e o superávit comercial também, mas a maior parte dos setores vem perdendo rentabilidade no comércio exterior. Esse foi o caso, nos 12 meses terminados em junho, de 21 dos 27 setores listados nas tabelas da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex). Quando se considera apenas o primeiro semestre deste ano, o número dos segmentos com menor rentabilidade cai para 19, sem alteração significativa, portanto, no quadro geral. Para 7 setores, as vendas ao exterior foram no mínimo 10% menos rentáveis do que entre janeiro e junho de 2005. Siderurgia, equipamentos eletrônicos, óleos vegetais, peças e "outros veículos", têxtil e "indústrias diversas" tiveram as maiores perdas, na comparação do primeiro semestre deste ano com o do ano passado. Os dois primeiros segmentos foram afetados, em parte, pela queda de preços no mercado internacional.

De modo geral, o maior problema foi mesmo a valorização do real em relação ao dólar. Apesar das dificuldades, 21 dos 27 setores conseguiram receita maior que a de um ano antes, com suas exportações. Em mais de metade dos casos, foi possível combinar elevação de preços e aumento da quantidade embarcada.

Mas o real, no primeiro semestre, valeu em média cerca de 15% mais que nos primeiros seis meses de 2005, em relação ao dólar. Foi muito mais difícil, para grande parte dos exportadores, absorver os aumentos de custos e manter a rentabilidade. A valorização cambial foi mais danosa para os setores com menor utilização de insumos importados e com maior emprego de mão-de-obra. Para as indústrias mais dependentes de material importado, a depreciação do dólar pelo menos permitiu a redução de certos custos.

É preciso dar atenção aos números do boletim da Funcex. O superávit comercial pode ficar neste ano, de novo, perto de R$ 44 bilhões, porque as exportações continuam crescendo e muitos preços permanecem favoráveis. Mas o aumento de 13,5% na receita global, no primeiro semestre, dependeu quase exclusivamente dos preços, porque a quantidade embarcada foi apenas 2% maior que a de um ano antes.

Enquanto isso, a importação física ficou 12,6% acima da registrada no primeiro semestre de 2005, apesar do aumento de 7,9% nos preços. Isso indica uma redução considerável do poder de competição da indústria brasileira. O aumento das importações não é, por si, um dado negativo. Pode refletir o crescimento econômico e uma saudável exposição à concorrência externa. Comprar bens produzidos com maior eficiência noutros países pode fortalecer a economia nacional, pelo uso racional dos meios disponíveis. Mas o aumento da importação pode não ter relação com a eficiência dos países envolvidos na competição.

A valorização do real é em parte uma conseqüência do superávit comercial, mas também está relacionada com a extraordinária taxa de juros paga no País. Com a redução do superávit comercial, dizem autoridades, o real voltará a desvalorizar-se. Mas deixar o ajuste cambial apenas na dependência do saldo de comércio poderá ter um custo enorme.

Muitas empresas bem estruturadas e normalmente competitivas poderão ficar sujeitas a uma concorrência devastadora, não porque os produtores estrangeiros sejam melhores, mas porque serão favorecidos pelas condições cambiais. E essas condições têm sido determinadas, em boa parte, pela chamada arbitragem financeira, isto é, pela busca das vantagens oferecidas por juros muito elevados. Tudo isso pode resultar em perda de eficiência para a economia nacional, pelo enfraquecimento dos setores mais prejudicados pelo câmbio. Será o oposto do resultado produzido pelo aumento da importação em condições mais saudáveis.

Não se trata de fechar a economia. Ao contrário: é preciso aumentar a abertura. Mas é indispensável cuidar organizadamente, com persistência e seriedade, das condições de competitividade dos produtores nacionais. O governo continua a tratar da competitividade de forma descontínua, fragmentada e sem nada parecido com uma política minimamente articulada.