Título: Faculdade Tancredo Neves se prepara para fechar as portas
Autor: Renata Cafardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/08/2006, Vida&, p. A12

A Faculdade Tancredo Neves, em Moema, vive um exemplo da atual situação de parte do ensino superior privado brasileiro. A parte que não deu certo. Aberta em 2000, no pico do crescimento do número de instituições particulares no País, hoje praticamente fecha as portas, sem nunca ter dado lucro. No fim de julho, no que seria a primeira semana de aulas deste semestre, os alunos foram dispensados. A explicação foi a de que não havia turmas suficientes para manter a faculdade funcionando.

Apenas os estudantes dos últimos anos puderam continuar, até terminarem seus cursos. "Vi que precisaria de um x de verbas para poder demitir os professores e funcionários, então precisava continuar a receber algumas mensalidades", explica o mantenedor da faculdade, Arnold Fioravante, que já foi deputado e é também um dos proprietários da UniFMU. A Tancredo era dirigida por sua mulher, Ligia Fioravante, e eles decidirão no fim do ano o futuro da instituição. Já não houve vestibular em julho.

Ele conta que, desde o primeiro ano, precisava colocar cerca de R$ 300 mil na instituição, todo mês, para cobrir déficits. "Tínhamos um projeto de cursos espetacular, eu tinha esperança que daria certo", lamenta. Para ele, o problema foi que os alunos "não conseguiram acompanhar o nível de exigência" e foram abandonando a faculdade.

"Fazíamos o vestibular do jeito que todo mundo faz, os alunos acabam aprendendo na faculdade mesmo", disse, ao ser questionado sobre o modo de seleção dos estudantes. Quem recebia a bolsa do ProUni, programa do Ministério da Educação que dá o benefício a alunos carentes em troca de isenção fiscal, não precisava passar pelo vestibular.

Neste ano, havia pouco mais de 100 alunos numa estrutura cara, com computadores individuais, carteiras estofadas e professores doutores. "Cobrávamos R$ 700 de mensalidade, quando deveríamos cobrar R$ 2 mil." A Tancredo chegou a ter 400 alunos e recentemente convivia com classes de apenas cinco.

'JOGADOS NA RUA'

Os ex-alunos elogiam a qualidade do ensino que recebiam, mas culpam a administração pelo fim da instituição e pela maneira como foram avisados. "Recebemos um telegrama de manhã, para comparecer à noite à faculdade na semana em que voltaríamos das férias", conta Lucas de Souza Santos, de 23 anos, aluno de Ciências da Computação. Um mês antes, ele havia pago a matrícula do semestre que nunca iria cursar.

"Fomos jogados na rua, sem qualquer ajuda", diz Henrique Santana Menezes, de 21 anos, que estava no primeiro ano de Administração de Empresas. Desde então, ele já procurou três faculdades para transferência e nenhuma delas o aceitou porque, além das aulas já terem começado, é bolsista do ProUni. Henrique agora espera a resposta da Universidade Anhembi Morumbi, a única que se dispôs a receber os alunos bolsistas da instituição.

Filho de uma família pobre da região sul da cidade, Henrique elogia os professores da faculdade e conta que via nela uma possibilidade de mudar de vida. Os pais estão desempregados. "A educação é a única forma de a gente melhorar e até isso tiraram da gente."

Segundo Fioravante, a instituição ajudou os alunos a encontrar uma nova faculdade. Os estudantes ouvidos pelo Estado dizem o contrário. A Anhembi informou que foram os estudantes que se mobilizaram para pedir vagas em nome do grupo.

Juliana Calori, de 19 anos, também é bolsista e aguarda resposta da Anhembi. Mas os currículos das duas instituições são diferentes e ela terá de cursar novamente o primeiro ano de Administração - Juliana já estava acabando o segundo ano na Tancredo. Além disso, a Anhembi fica na Vila Olímpia e ela demorará duas horas para chegar à faculdade. "Gostaria de estudar onde eu escolhi e não na única que apareceu", completa Katerini Nobre, de 26 anos, que cursava Relações Internacionais. Juliana e outros colegas pretendem ir à Justiça contra a Tancredo.

A instituição oferecia apenas três cursos, de Administração, Ciências da Computação e Relações Internacionais. São áreas que tiveram grande crescimento de oferta nos últimos anos no ensino superior privado, o que pode explicar a falta de alunos. Desde 1994, o País registrou um aumento de 544% no número de cursos de Administração em universidades particulares. No ano 2000, quando a Tancredo foi criada, havia 665 cursos da área no Brasil; atualmente são 1.296.

Relações Internacionais praticamente não existia em 1994, quando a expansão do ensino superior ainda não havia começado. Apenas uma instituição privada oferecia o curso no País todo. Hoje, são 53. O curso de Ciências da Computação foi o único já avaliado pelo Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), que substituiu o Provão. Os alunos da Tancredo receberam nota 4, um conceito abaixo do máximo.

(SERVIÇO)NÚMEROS

204 instituições de ensino superior privadas foram criadas no Brasil desde 2000, ano em que a Tancredo iniciou suas atividades

1 universidade privada oferecia o curso de Relações Internacionais em 1994, antes da expansão do ensino superior. Hoje, são 53, com a Tancredo

544% Foi o crescimento do número de cursos de Administração de Empresas nos últimos dez anos

4 Foi a nota no Enade do curso de Ciências da Computação da Tancredo, o único que já participou do exame do MEC que substituiu o Provão. A nota máxima possível é 5