Título: A comercialização do apoio
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Fonte: O Estado de São Paulo, 18/10/2006, Notas e Informações, p. A3

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu ajuda ao agronegócio ¿ a começar pelo Estado de Mato Grosso, governado por seu mais novo cabo eleitoral, Blairo Maggi, também conhecido como rei da soja ¿ depois de ser derrotado, no primeiro turno, nas principais áreas agrícolas do País. Na última quarta-feira, depois de um encontro com o presidente-candidato, Maggi passou duas notícias à imprensa: seriam liberados cerca de R$ 3 bilhões para o setor e ele apoiaria Lula no segundo turno. Cinco dias depois, o ministro da Agricultura, Luís Carlos Guedes Pinto, confirmou a liberação do dinheiro, R$ 1 bilhão depois da eleição, para apoio à comercialização da soja, e o resto no começo do próximo ano. Mas a medida, assegurou, não tem propósito eleitoreiro e já estava resolvida em maio. No dia seguinte, numa entrevista à Rádio CBN, o governador Maggi também negou haver negociado seu apoio em troca de benefícios para os produtores e repetiu a história sobre a decisão tomada em maio.

São explicações aceitáveis, talvez, para quem acredita facilmente em coincidências notáveis, tem memória fraca e pouca informação. Poucos dias antes da visita a Brasília, o governador Maggi foi entrevistado pela revista IstoÉ Dinheiro. Logo na primeira resposta, disse que o presidente, no primeiro turno, perdeu nos Estados em que é forte a influência do agronegócio e afirmou que a crise do setor afetou o resultado. Em seguida a entrevistadora perguntou se ele apoiaria Lula. ¿Isso ainda não está decidido¿, respondeu o governador e rei da soja. ¿Prefiro não me adiantar aos fatos.¿

Também antes da viagem, o coordenador da campanha de reeleição de Maggi, Luiz Antônio Pagot, citado pelo Diário de Cuiabá, disse que os dois candidatos à Presidência haviam procurado o apoio do governador e que ele ainda não se havia decidido. Segundo ele, seria apoiado o candidato que tivesse compromisso com o Estado. Maggi, de acordo com o jornal, havia declarado que votara em Lula no primeiro turno, mas a decisão sobre o segundo dependeria de uma reunião com outros governadores da região. Essa informação foi confirmada por Pagot.

A resposta oficial veio depois de encontros em Brasília com ministros e com Lula. Ao sair do encontro com o presidente, o governador disse à imprensa que os créditos já haviam sido autorizados, mas o dinheiro não havia saído, ou havia saído em volume insuficiente. ¿Os mecanismos¿, explicou, ¿eram muito ruins e nós vamos readequá-los.¿

Com todos esses detalhes, até a Velhinha de Taubaté deve ter alguma dificuldade para acreditar na hipótese da coincidência entre o anúncio da liberação do dinheiro e a declaração de apoio de Blairo Maggi. Ele mesmo, ao negar que tenha negociado o apoio, parece haver esquecido sua entrevista e as declarações do coordenador de sua campanha. Talvez os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, mais afeitos à dúvida, possam encontrar nesse emaranhado de contradições algum material interessante para seu trabalho de combate ao uso impróprio da máquina oficial.

Quanto ao ministro da Agricultura, cuidaria melhor de sua biografia e de seu capital de credibilidade se evitasse declarações como as de segunda-feira. A afirmação de que uma promessa fora feita em maio pode ser verdadeira. Mas seria preciso explicar por que a liberação do dinheiro só foi confirmada quando Blairo Maggi visitou o presidente-candidato e anunciou seu apoio a Lula no segundo turno. O próprio Maggi, ao afirmar que era preciso ¿readequar os mecanismos¿, indicou que a promessa não vinha sendo cumprida.

Segundo o ministro, a oposição, ao criticar a liberação das verbas, mostrou não ter compromisso com o agronegócio. Poderia ter evitado esse escorregão: a crise agrícola só foi tão grave porque o governo petista deixou de agir na hora certa, negligenciou o setor e passou a maior parte do tempo hostilizando os verdadeiros produtores e apoiando os invasores de terras e outros inimigos do agronegócio. Além do mais, governo competente e interessado em apoiar a comercialização da soja libera dinheiro na época da colheita, não em outubro ou novembro. Terá o ministro esquecido também esse detalhe?