Título: Não ao etanol brasileiro
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Fonte: O Estado de São Paulo, 02/10/2006, Notas e Informações, p. A3

A decisão do governo francês de instalar, até 2007, pelo menos 500 bombas de etanol nos principais postos em operação nas suas rodovias, para reduzir a dependência do país dos derivados de petróleo, foi bem recebida pelos produtores brasileiros. Quanto maior e mais disseminado for o consumo desse combustível, sobretudo nos países industrializados, mais fácil será para o governo brasileiro e os dirigentes da agroindústria canavieira alcançar seu objetivo, que é definir um padrão mundial de especificação do etanol utilizado como carburante automobilístico, para desse modo transformá-lo numa commodity de ampla negociação internacional. Com especificações precisas, mais confiável será a comercialização do etanol e mais depressa tenderá a crescer seu mercado. O que não se pode garantir é que esse crescimento, caso ocorra, beneficiará os produtores brasileiros.

O Brasil é o maior produtor mundial de etanol. No ano passado, foi ligeiramente superado pelos Estados Unidos, que produziram 16,1 bilhões de litros, contra 16 bilhões da produção brasileira, mas esse fato se deveu à quebra da safra nacional em decorrência da estiagem. Na terceira posição vem a China, com 3,8 bilhões de litros, seguida da Índia (1,7 bilhão) e da França (900 milhões).

A alta do petróleo assustou os consumidores e estimulou a busca de combustíveis renováveis, como o álcool, mesmo que utilizados como complemento aos derivados do óleo. O mundo consome hoje cerca de 20 milhões de barris de gasolina por dia. Se todos os países adotassem a regra de adição de 10% de etanol à gasolina, a demanda pelo álcool carburante chegaria a 2 milhões de barris diários. Se a adição fosse feita a cerca de 60% da gasolina consumida atualmente, a demanda de etanol chegaria a pouco mais de 1 milhão de barris por dia. Isso corresponde ao consumo anual de cerca de 65 bilhões de litros, cerca de 40% mais do que a produção mundial de 46 bilhões de litros (dado de 2005).

O Brasil é também o mais eficiente produtor de etanol do mundo e tem condições de ampliar substancialmente sua produção, garantem especialistas. Para a produção de 16 bilhões de litros por ano são plantados 5,6 milhões de hectares de cana. Para atender ao aumento de 40% da demanda mundial, o Brasil teria de produzir 36 bilhões de litros por ano, o que exigiria cerca de 14 milhões de hectares plantados com cana. É uma área menor do que a ocupada pela soja, de cerca de 18 milhões de hectares.

Outros países em desenvolvimento que produzem etanol também estão interessados na ampliação do mercado mundial. Recentemente, os chefes dos governos do Brasil, da África do Sul e da Índia fecharam uma parceria estratégica com base em cinco iniciativas, a mais importante das quais é o acordo de cooperação na área de biocombustível. O objetivo da parceria é justamente transformar o etanol e o biodiesel em commodities. A iniciativa do governo francês de estimular o consumo de etanol deve ter agradado também aos dirigentes sul-africanos e indianos.

Mas, para ganhar mais espaço no mercado francês, e no europeu em geral, esses países terão primeiro de romper a fortíssima resistência da França à entrada do produto estrangeiro, em particular o brasileiro. O ministro da Agricultura, Dominique Bussereau, garante que o país tem capacidade de atender à demanda interna sem necessidade de importação. ¿Nós não devemos substituir a dependência de importação de uma energia fóssil pela dependência de um biocombustível importado.¿

Ainda que a produção doméstica francesa seja insuficiente e force a importação, nada garante que a França aceitará que o fornecimento seja feito pelo Brasil. Poderá importar de países africanos ou centro-americanos, entre os quais suas antigas colônias, aos quais oferece condições favorecidas para colocar seus produtos no mercado francês.

Ao estimular a ampliação do plantio de cana-de-açúcar em outros países, aos quais vem transferindo tecnologia para produção de etanol e exportando equipamentos para a instalação de usinas de álcool, para disseminar a utilização desse combustível dentro de seu objetivo de ampliar o mercado mundial, o Brasil pode estar também estimulando uma concorrência que pode ter resultados ruins para o País.