Título: Fábricas podem deixar Uruguai
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/10/2006, Economia, p. B9

O governo do presidente argentino, Néstor Kirchner, comemora a vitória obtida na ¿guerra da celulose¿ travada há mais de um ano contra o Uruguai.

O trunfo ostentado por Kirchner foi a decisão oficial da empresa espanhola Ence de desativar os planos de construir uma megafábrica de celulose na cidade de Fray Bentos, na fronteira com a Argentina. A decisão da Ence foi resultado das intensas pressões feitas por Kirchner contra a instalação de fábricas de celulose na área da fronteira.

Até ontem, não estava claro se a Ence construiria sua fábrica em outro ponto do país ou se fecharia definitivamente suas portas no Uruguai. Caso decida abandonar os investimentos no país, será um duro golpe para o governo Tabaré Vázquez. As obras representam para o Uruguai investimentos de US$ 600 milhões.

Os analistas uruguaios têm previsões ainda mais sombrias. Para eles, há ainda o perigo de os investidores internacionais desistirem de por dinheiro no Uruguai, por considerarem o país ¿arriscado¿.

O cenário também complica-se para Tabaré que está sendo intensamente criticado pela oposição por não ter mostrado uma posição suficientemente firme diante da Argentina. Em meados do ano passado os uruguaios estavam exultantes, pois o país receberia investimentos de US$ 1,8 bilhão para a construção de duas fábricas de celulose. Uma da Ence e outra da finlandesa Botnia.

O investimento - o maior da história do país - equivalia a 13,6% do Produto Interno Bruto (PIB) uruguaio. Mas a oposição argentina às fábricas foi implacável. Kirchner respaldou pessoalmente os habitantes da cidade de Gualeguaychú, na frente de Fray Bentos, que se mobilizaram para impedir o que consideram ¿um apocalipse ambiental e econômico¿.

Os gualeguaychenses protagonizaram - durante três meses - piquetes ininterruptos em duas das três pontes que ligam os dois países, impedindo a passagem de mercadorias e turistas. A economia uruguaia, bloqueada, teve um início de asfixia, e perdeu mais de US$ 400 milhões.

A Ence ainda não decidiu o que fará. Informações extra-oficiais indicaram nos últimos dias que a empresa especulava instalar sua fábrica na cidade de Paysandú, em frente da argentina Colón. Os habitantes argentinos da fronteira já avisaram que pretendem impedir que a fábrica se instale ali também. Outra opção seria a cidade de Rocha, próximo à fronteira brasileira, a poucos quilômetros do Atlântico. Neste caso, os dejetos da fábrica seriam jogados na Lagoa Mirim, compartilhada com o Brasil. Além da oposição que poderia enfrentar dos países vizinhos, a empresa também teria de iniciar novamente os demorados trâmites com o governo uruguaio para conseguir a autorização de instalação num novo lugar.

Mas, se a Ence partir do Uruguai, o país perderá outros US$ 600 milhões, referentes ao investimentos que a empresa pretendia fazer (somado ao prejuízo de US$ 400 milhões pelos piquetes, terão prejuízo de US$ 1 bilhão). O Uruguai somente contará com o US$ 1,2 bilhão investido pela Botnia. Esta, também passa por problemas, pois nas últimas semanas suas obras estiveram paralisadas por conflitos sindicais. Mas tudo indica que após vencer a batalha da Ence, a guerra da celulose (chamada na Argentina de¿La Guerra de las Papeleras) ainda está longe de acabar.

O governo Kirchner espera nos próximos dias uma nova vitória. Dessa vez proporcionada pelo Banco Mundial, que pode suspender o crédito à Botnia de US$ 470 milhões.