Título: Equipes dormem na mata para abrir caminho para legistas
Autor: Eduardo Nunomura, Laura Diniz
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/10/2006, Metrópole, p. C3

Militares e três legistas desceram na mata e começaram ontem o trabalho de resgate e identificação dos corpos das 155 vítimas do pior acidente da história da aviação civil brasileira, a queda, na sexta-feira, de um Boeing da Gol. Eles estavam em dois helicópteros que decolaram às 16h20 (17h20 de Brasília) da Fazenda Jarinã, em Peixoto de Azevedo, Mato Grosso, usada como base da logística da operação. Os helicópteros retornaram às 17 horas para a fazenda com os dois primeiros corpos resgatados, levados num avião Bandeirante para a Base Aérea de Cachimbo, no Pará, onde legistas tentariam identificar as vítimas.

Um caminhão frigorífico está à disposição dos peritos para armazenagem dos corpos. Mais dois veículos desse tipo estão estacionados na Base Aérea do Cachimbo. Funcionários dos Institutos Médico-Legais de Cuiabá e Brasília também participarão do trabalho, que não tem data para terminar.

Os primeiros relatos da equipe de resgate que dormiu na selva na noite de sábado para domingo, formada por 11 militares da Aeronáutica e 5 do Exército, dão conta de que que 'só por milagre' eles poderão encontrar sobreviventes. 'A situação é muito pior do que qualquer um de nós poderia imaginar', disse o brigadeiro Jorge Kersul, coordenador-geral das operações de busca.

Os militares revelaram que há uma grande concentração de destroços em uma única área, que exala um forte cheiro de corpos queimados. Uma fonte do grupo disse à reportagem do Estado que o cheiro é forte a ponto de 'penetrar no interior dos helicópteros, mesmo quando as portas estão fechadas'.

Segundo o tenente Jerônimo Inácio, integrante da missão de busca, o corpo do avião da Gol não está inteiro e as asas são a parte mais preservada do aparelho. Não é possível, de acordo com o militar, saber se a queda provocou ou não uma explosão. 'Está tudo muito fragmentado. Se o aço ficou assim, imagine estruturas menos resistentes', disse Inácio.

MATA FECHADA

A área da queda do avião tem mais de 20 quilômetros quadrados. A mata fechada e a violência do acidente estão entre os principais obstáculos da missão. 'Se eu encontrar algo e disser que são os restos de uma das vítimas, vou estar especulando', afirmou Inácio.

O gerente da Fazenda Jarinã, Nilton Bicalho, disse que não ouviu o estrondo do acidente e da queda porque estava trabalhando, em cima de um trator. Mas os funcionários da propriedade, afirmou Bicalho à reportagem do Estado, falaram sobre o acidente no fim da tarde de sexta-feira. Um deles disse ao gerente ter ouvido 'um grande estrondo'. E, logo em seguida, viu o avião da Gol 'se movimentando bruscamente, rodopiando e despencando'.

'Antes de ver o noticiário na TV, não tínhamos idéia de que algo tão grande havia acontecido', afirmou Bicalho. Segundo ele, emissoras de TV foram as primeiras a entrar em contato com a fazenda.

SETE TENTATIVAS

Os homens da Força Aérea e do Exército localizaram os destroços do Boeing às 9 horas de sábado, depois de sete operações de rastreamento. Os destroços foram achados 16 horas depois da queda do avião. Do alto, os militares viram que os pedaços do avião penetraram floresta adentro e se espalharam abaixo das copas de árvores, de até 40 metros de altura.

Os 16 integrantes da equipe de resgate que dormiram na selva desceram com combustível e equipamentos para abrir clareiras. Segundo o tenente-coronel aviador Domingos Afonso Almeida de Deus, 90 homens estão envolvidos diretamente nas operações. Só no local da queda do Boeing estão 75 pessoas, trabalhando na abertura da clareira e remoção e pré-identificação dos corpos. Destes, 32 permaneceriam trabalhando durante toda a noite, de acordo com nota divulgada pelo Comando da Aeronáutica.

A Fazenda Jarinã fica a 200 quilômetros de Matupá (MT), distância percorrida entre quatro e cinco horas por estrada de terra. De lá até a área onde estão os destroços do Boeing da Gol, os militares têm levado cerca de 15 minutos de vôo em helicópteros.