Título: Impacto, desequilíbrio e avarias
Autor: Sônia Filgueiras
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/10/2006, Metrópole, p. C4

Sentiram um impacto, ouviram um barulho e nada viram. Depois, olhando pela janela, constataram pequenas avarias. Este é, segundo a Polícia Civil de Mato Grosso, o resumo dos depoimentos da tripulação (piloto e co-piloto) e dos cinco passageiros do Legacy 600 que colidiu com o Boeing da Gol. Recém-comprado pela empresa Excel Air Services, o Legacy partiu de São José dos Campos, em São Paulo, para os Estados Unidos, com escala prevista em Manaus.

Conforme o relato da tripulação do jato - seis americanos e um brasileiro -, as conseqüências da colisão com o Boeing se resumiram a um certo desequilíbrio na aeronave, logo controlado, e a danos em duas peças: parte da cauda do avião e o winglet, na ponta da asa esquerda e cuja função é auxiliar na estabilidade do aparelho.

'Eles relatam ter sentido um impacto e deduziram que podiam ter colidido com outro avião, mas dizem não ter visto nada', diz o delegado Anderson Garcia, que tomou o depoimento do piloto do avião, Joe Lepore, e do co-piloto, Jan Palladino, em Cuiabá.

Por determinação da Polícia Civil de Mato Grosso, os sete depuseram durante toda a noite de anteontem em Cuiabá, no âmbito do inquérito que apura as causas do acidente. Segundo Anderson Garcia, a decisão de pousar na base militar da Serra do Cachimbo logo após a colisão foi uma 'precaução', diante das avarias no avião, visíveis pelas janelas. 'Foi um dano pequeno, segundo eles', disse Garcia.

Os dois tripulantes afirmaram que o avião, comprado dias antes na fábrica da Embraer em São José dos Campos, tem equipamento anticolisão - dispositivo que identifica a aproximação de outra aeronave - mas, por motivo desconhecido, o alarme não disparou. Piloto e co-piloto também informaram que a rota que seguiam, a 37 mil pés (cerca de 10 km) de altitude, foi autorizada pela torre de São José dos Campos e não se desviaram dela.

Todos foram ouvidos como vítimas. A Polícia de Mato Grosso vai requisitar o plano de vôo do Legacy, vai analisar o conteúdo das caixas-pretas e vai periciar a aeronave, retida na base militar da Serra do Cachimbo. Os resultados serão confrontados com os depoimentos.

'Se ficar comprovado que houve negligência, imprudência ou imperícia, piloto e co-piloto poderão ser enquadrados no crime de homicídio culposo', disse o delegado Garcia, que também é chefe da inteligência da Polícia Civil de Mato Grosso. O prazo para conclusão do inquérito é de 30 dias, mas pode ser ampliado.

Segundo o relato dos dois, o Legacy decolou de São José dos Campos às 14h47. A colisão teria ocorrido por volta das 17 horas, e 30 minutos depois o jato fez o pouso de emergência na Serra do Cachimbo. A aeronave estava no piloto automático e passou a ser conduzida manualmente. Piloto e co-piloto informaram que a visibilidade era boa e estavam recebendo normalmente as comunicações do controle de trafego aéreo. Viajavam a cerca de 800 km/h. Nenhum deles se machucou com o impacto. Já na base militar da Serra do Cachimbo, foram informados da queda do Boeing. 'Os dois manifestaram pesar pelas famílias das vítimas', disse o diretor-geral da Polícia Civil, Romel Luiz dos Santos.

Os depoimentos foram tomados individualmente. Começaram por volta das 20 horas de sábado e só terminaram às 6 horas da manhã de ontem. O grupo estava acompanhado de mais 10 pessoas, entre eles o vice-cônsul dos Estados Unidos em Brasília, Mark Pannel, e uma equipe de funcionários da Embraer. Por orientação da embaixada americana, nenhum deles deu entrevista. Fotos e imagens também não foram permitidas. Liberado, o grupo seguiu para São José dos Campos, mas todos estão liberados para retornar aos Estados Unidos, se desejarem. 'Não há motivo para retê-los', disse Garcia.

Por causa dos rumores de que o Legacy transportava somas em dinheiro, a Polícia Federal fez uma revista no avião que trouxe o grupo da base da Serra do Cachimbo até Cuiabá, mas nada foi encontrado. A vistoria foi feita durante a madrugada. Além do piloto e do co-piloto, estavam a no Legacy dois proprietários da Excel Air Service (Ralph Michielli e David Rimmer), que vieram ao Brasil comprar o avião, dois funcionários da área comercial da Embraer (Henry Yanble e o brasileiro Daniel Bachmann) e o jornalista do The New York Times Joe Sharkei.