Título: 'No futuro, meu sonho é que o próprio eleitor afaste corruptos'
Autor: Rui Nogueira
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/10/2006, Especial, p. H24

A maior eleição da história do País, envolvendo 126 milhões de eleitores e a escolha do presidente da República, 27 governadores, 27 senadores (renovação de um terço da Casa), 513 deputados federais, todas as 26 Assembléias Estaduais e mais a Câmara Distrital de Brasília, não tirou o sono do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Marco Aurélio Mello.

Foi votar à paisana, às 9 horas, ontem, passou em casa para botar terno e gravata e foi para o TSE, onde ficou o tempo todo de plantão ao lado do corregedor eleitoral, o ministro Cesar Asfora. Tirando o peso da representação institucional, pode-se dizer que foi o dia em que menos trabalhou desde que assumiu o comando da Justiça Eleitoral, em maio passado. Às 18 horas, quando a apuração começava a deslanchar, ele falou com o Estado:

Na sua avaliação, o que predominou, o marasmo ou a tranqüilidade eleitoral?

A Justiça Eleitoral e o eleitor tiveram um bom desempenho, e isso pode ser medido por alguns fatos. Ficamos impressionados, por exemplo, com a quantidade de requisições de força federal que os tribunais regionais eleitorais fizeram. Atendemos a todos os pedidos, todos os soldados foram enviados para as respectivas regiões, mas ninguém, em nenhum lugar do País, foi acionado para algum tipo de operação especial. A simples presença das forças federais foi inibidora.

Algumas pessoas foram presas.

A prisão de uma centena de pessoas em todo o País foi uma medida profilática adotada aqui e ali, casos sem importância no universo de 126 milhões de eleitores.

E aquelas manifestações nas seções eleitorais?

Deu tudo certo. A Justiça Eleitoral já tem um rito seguro tirado das outras eleições. Dá preferência a mesários experientes, que já trabalharam em eleições anteriores. Isso dá segurança. As manifestações dos eleitores, mesmo dentro das seções, foram vistas na maioria dos casos como demonstrações de cidadania. O eleitor pode e deve participar e foi assim que os mesários entenderam manifestações mais chamativas. Na minha seção, por exemplo, tinha um eleitor com nariz de palhaço. Não houve tumulto, ele apenas recheou com essa manifestação o seu voto.

O TSE está seguro de que as urnas não precisam de recibo?

Em definitivo, estas eleições provaram, em relação às de 2002, que aquele sistema de urna com recibo era absolutamente inócuo. Não levava a coisa alguma. O que eu fiz, em nome da transparência, foi aumentar os boletins dos relatórios de urna de cinco para dez vias. Todos os partidos recebem esses relatórios. No futuro, o ideal seria ter mais de uma urna eletrônica por seção. Ainda não conseguimos isso por questões orçamentárias, uma vez que cada urna custa US$ 800. Precisamos entender que esse é o bom preço da democracia.

Enquanto isso não for possível...

O jeito é insistir para que as pessoas levem uma cola com os nomes dos seus candidatos. Eu sabia que os jornalistas estavam de olho no meu voto, que seria cronometrado, e tratei de levar uma cola. Levei 20 segundos para votar e quero avisar que não votei em branco e não anulei o meu voto. Eu escolhi quem quero que governe o País.

Funcionou a sua pregação a favor da presença do eleitor, incentivando-o a escolher, em vez de anular o voto ou votar em branco?

Acho que sim. Busquei o melhor em termos institucionais. Sou humano e não tenho o dom da perfeição. Quero crer que a abstenção ficará dentro da média histórica. Sou otimista e acredito que fez efeito a publicidade institucional. O que a instituição (Tribunal Superior Eleitoral) quis dizer o tempo todo é que o eleitor é responsável pelos políticos que escolhe.

Mas o eleitor esperava, nesta eleição, que os sanguessugas e os mensaleiros estivessem fora do pleito.

Por que é que houve um descompasso entre os TREs, que decidiram barrar candidatos como Eurico Miranda (PP-RJ), e o TSE, que não aceitou essas barrações?

O TRE do Rio, por exemplo, claudicou nesses casos. Errou na arte de julgar. Enquanto a lei disser o que diz, e não somos nós quem fazemos a lei, não podemos desrespeitá-la. A lei diz que ninguém fica de fora da disputa eleitoral enquanto o processo não chegar à fase conclusiva (transitado e julgado). É isso o que vale. Quando nos derem outro instrumento de julgamento, nós julgaremos diferente. No futuro, meu sonho é que o próprio eleitor afaste os corruptos. Ou que ele, naturalmente, não vote em candidatos investigados até que tudo esteja claro.

Se reeleito, o presidente Lula carrega para o segundo mandato um passivo de problemas que jogam seu governo no meio das investigações da Polícia Federal, Ministério Público e até o próprio Tribunal Superior Eleitoral. Como deve se comportar o Judiciário, uma vez que a Constituição vale tanto quanto a urna?

A lei é o taco legal. Em Direito, o meio justifica o fim, mas o fim não é o meio. Não podemos atropelar nada. Nada se sobrepõe à Constituição. O que posso dizer a mais é que para o Judiciário não existe o fato consumado.

Por que é que a nossa Constituição é clara ao condenar a censura prévia, mas tantos juízes, alguns da Justiça Eleitoral, insistem em impor censura prévia à mídia?

A Justiça é obra do homem, é passível de falha. Mas o importante é que o sistema viabiliza correções. Com o tempo caminharemos para a correta interpretação.