Título: Protecionismo democrata
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Fonte: O Estado de São Paulo, 23/11/2006, Notas e Informações, p. A3

Confirmando a sua fama de protecionistas, os democratas começam a mostrar o que poderão fazer contra os parceiros comerciais dos Estados Unidos nos próximos anos, quando controlarão, no Senado e na Câmara, as comissões encarregadas de avaliar os acordos internacionais. Parlamentares democratas ligados às duas comissões propuseram à ministra de Comércio Exterior, Susan Schwab, uma revisão dos acordos com o Peru e com a Colômbia, ainda não aprovados pelo Congresso. Segundo os autores da carta, é preciso tornar obrigatória a adaptação das leis peruanas e colombianas às normas da Organização Internacional do Trabalho, para defender os trabalhadores americanos da concorrência baseada em mão-de-obra barata.

O governo americano começou a negociar em maio de 2004 acordos comerciais com a Colômbia, o Peru e o Equador. Os três já eram beneficiados por uma lei de preferência comercial concedida aos andinos como parte da política de segurança dos Estados Unidos e de combate ao tráfico de drogas. Essa lei deixará de vigorar em 31 de dezembro deste ano.

O acordo comercial com o Peru foi assinado em 12 de abril. O acordo com a Colômbia foi assinado ontem pelo vice-ministro americano de Comércio Exterior, John Veroneau, e pelo ministro colombiano do Comércio, Indústria e Turismo, Jorge Humberto Botero. A cerimônia foi precedida de uma ameaça: segundo a carta enviada pelos democratas a Susan Schwab, a assinatura nesta semana seria uma ¿mensagem errada¿ sobre a disposição do Executivo de trabalhar com a nova maioria parlamentar. Pressões e ameaças começaram, portanto, antes da posse dos democratas na chefia das duas comissões, a de Finanças, do Senado, e a de Meios, do Congresso.

Na cerimônia de ontem, John Veroneau respondeu indiretamente aos dois congressistas: o acordo, segundo ele, ¿proporcionará um ambiente legal seguro e previsível para os investidores americanos, protegerá os direitos de propriedade intelectual e favorecerá um efetivo cumprimento das leis trabalhistas e ambientais¿.

Mas, se os parlamentares democratas não concordarem, poderão manter a pressão e dificultar a aprovação dos dois acordos. A votação só deverá ocorrer no próximo ano e até lá poderá haver novas negociações entre governo e oposição.

Os primeiros movimentos da nova maioria parlamentar têm um sentido claro e preocupante. Muitos democratas prometeram políticas protecionistas na campanha eleitoral e tentarão cumprir os compromissos. O presidente George Bush poderá ter dificuldade para renovar o mandato que permite ao Executivo negociar acordos sujeitos a aprovação pelo Congresso, sem emendas. Esse mandato expira em julho.

Se a Rodada Doha de negociações comerciais não for concluída antes disso, poderá ser preciso suspendê-la por longo tempo, até um novo mandato ser concedido. E há o risco de a concessão ser sujeita a condições fortemente restritivas. A vitória democrata nas eleições americanas torna mais urgente a tarefa de salvar a rodada.

Para os mais otimistas, o quadro dificilmente poderá ficar muito pior com a nova relação de forças no Congresso dos Estados Unidos. Comandada pelo republicano Charles Grassley, um fazendeiro do Meio-Oeste, a Comissão de Finanças teve uma atuação fortemente protecionista e favoreceu a manutenção de grandes subsídios à agricultura americana. Mas, ainda assim, o Executivo foi capaz de apresentar uma importante proposta de redução dos subsídios à exportação agrícola. É improvável que os democratas tivessem ido tão longe.

O Brasil tem sido um alvo freqüente do protecionismo democrata. Eles não aceitam como legítima a concorrência brasileira, mesmo num setor em que o Brasil é reconhecidamente eficiente, como a agricultura. Sempre há, contra os brasileiros, alegações de dumping, de exploração de mão-de-obra barata e de agressão ao meio ambiente. Com tudo isso, produtos brasileiros continuam sujeitos a barreiras muito altas. A abertura de mercado para o etanol brasileiro é por enquanto uma hipótese remota. Pelos primeiros lances dos democratas, também os industriais, e não só os agricultores, devem preparar-se para novas pressões.