Título: Cortejo de Gemayel vira ato anti-Síria
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Fonte: O Estado de São Paulo, 23/11/2006, Internacional, p. A14

Milhares de libaneses acompanharam ontem o cortejo fúnebre do ministro da Indústria do Líbano, Pierre Gemayel, cujo assassinato - atribuído por seus aliados à Síria - ameaça trazer à tona a violência sectária que arrasou o país durante a guerra civil (1975-1990). O enterro está previsto para hoje.

Gemayel, líder político cristão contrário à influência da Síria no Líbano, foi morto a tiros na terça-feira por três homens desconhecidos. Em sua homenagem, o governo libanês decretou três dias de luto e cancelou as comemorações do dia da independência do país. Seu corpo, levado de um hospital, em Beirute, para Bikfaya, sua cidade natal, foi recebido com chuva de arroz por uma multidão.

Cartazes com a foto de Gemayel e bandeiras da Falange, seu partido, eram vistos ao longo do cortejo - junto com gritos e palavras de ordem. Líderes da Falange pediram que os libaneses compareçam hoje ao enterro para protestar contra o crime e pela 'independência' do país.

Na capital libanesa, apesar da mobilização do Exército para evitar distúrbios, manifestantes queimaram pneus no bairro cristão de Ashrafiyeh. Simpatizantes de Gemayel também bloquearam ruas na cidade cristã de Zahle, onde tentaram atacar a sede do partido do líder cristão Michel Aun, acusado de traição por ter feito um acordo com o grupo xiita Hezbollah, aliado de Damasco.

O cortejo e os protestos pela morte de Gemayel serviram como uma demonstração de força da coalizão governista anti-Síria, num momento em que as disputas políticas e sectárias estão se aprofundando no país.

De um lado estão os pró-Síria e seus aliados: o Hezbollah, o movimento Amal, também xiita, e alguns grupos cristãos, como o partido de Aun. Do outro, o grupo contrário à aproximação com a Síria reúne muçulmanos sunitas, cristãos e drusos.

'Parece que o regime sírio continuará com seus crimes', acusou o líder druso Walid Jumblatt. 'Eu espero mais assassinatos', completou.

A Síria manteve tropas no Líbano de 1976 a 2005. No ano passado, as suspeitas do envolvimento de autoridades sírias no assassinato do ex-premiê Rafic Hariri, em fevereiro, aumentaram a pressão da população libanesa e da comunidade internacional sobre Damasco, que foi obrigado a retirar suas tropas do país vizinho. O governo sírio negou participação na morte de Gemayel.

Apesar de Gemayel não ter a popularidade de Hariri, o ministro pertencia à terceira geração da mais importante dinastia cristã do Líbano. O crime enfureceu os cristãos maronitas - cerca de 25% da população.

INGERÊNCIA

A morte do líder cristão ocorreu num momento em que o governo do premiê Fuad Siniora, apoiado pelo Ocidente, passa por uma crise política por causa da renúncia de seis ministros aliados ao Hezbollah. O grupo xiita deixou o governo porque Siniora resistiu às suas exigências de indicar 8 dos 24 ministérios, o que lhes permitiria vetar decisões e derrubar o gabinete.

Segundo um assessor da Casa Branca, o presidente americano, George W. Bush, ligou ontem para o premiê libanês e prometeu 'apoiar a independência libanesa da ingerência do Irã e da Síria'. Os EUA já tinham acusado os sírios e o Hezbollah de tentar derrubar o atual governo.

Anteontem, Bush não culpou diretamente os países vizinhos pelo crime, mas pediu que as 'pessoas e as forças' por trás dele fossem identificadas. Ele também garantiu que 'a violência e instabilidade no Líbano' não impedirão a criação de um tribunal internacional para julgar o caso Hariri. Esse projeto foi aprovado pelo Conselho de Segurança, o órgão deliberativo da ONU.