Título: Sacando sobre o futuro
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/10/2006, Notas e Informações, p. A3

Repetiu-se, neste mês, a falta de gás natural, o que impediu a entrada em funcionamento de seis usinas térmicas que dependem desse insumo. A demanda teve de ser suprida por usinas hidrelétricas que estão gerando mais energia do que seria recomendável para manter o nível dos reservatórios, que, em média, estão pela metade.

Quando diminui o nível dos reservatórios, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) determina a entrada em operação das usinas termoelétricas por 'ordem de mérito de custo' - ou seja, começam a operar mais cedo aquelas que geram energia mais barata. Por isso, primeiro entram em operação as usinas a gás em ciclo combinado (que usam o vapor para aumentar a produtividade), seguidas das usinas em ciclo simples e, afinal, as movidas a óleo combustível, a diesel e a carvão.

Com os reservatórios pela metade e a necessidade das hidrelétricas de enviar energia para a Região Sul, o ONS determinou que 11 usinas térmicas, com capacidade de produzir 5.333 MW, entrassem em operação. Mas apenas cinco cumpriram a ordem e a geração efetiva foi de apenas uma quinta parte do determinado, correspondendo a 1.065 MW.

O assunto é politicamente explosivo e, segundo reportagem publicada pelo jornal Valor (18/10), está sendo tratado com grande discrição no mercado e no governo. O motivo é evidente: tratado às escâncaras, ele desmentiria o que tem dito, na campanha pela reeleição, o presidente-candidato e seus ministros sobre a situação energética criada pelo atual governo. Além disso, para conjurar o risco de escassez, especialistas do setor privado recomendam o aumento prévio dos preços da energia. Disso o governo não quer ouvir falar, porque sua política energética sempre enfatizou a modicidade dos preços.

Mas a promessa do governo de assegurar energia farta a preços baixos parece cada vez mais difícil de ser cumprida. Uma prova disso foi a decisão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a respeito da contabilização da energia disponível no sistema interligado nacional. A Aneel pôs em audiência pública regras para retirar das contas a oferta das térmicas sem suprimento firme de gás natural. Se as regras forem aprovadas, as tarifas tenderão a subir, pois só estará disponível a energia mais cara.

A agência reguladora está tão certa dos riscos que determinou que o ONS e a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica estudem o impacto da redução da energia térmica sobre os consumidores. É uma questão técnica, à qual o grande público está pouco afeito. O problema é percebido quando a tarifa sobe ou quando falta energia.

A crise das termoelétricas movidas a gás natural é grave. No Nordeste, a Petrobrás não honra seus contratos de fornecimento de gás para as usinas TermoPernambuco e TermoFortaleza porque não dispõe do insumo. Para operar a plena carga, essas usinas consumiriam 4,5 milhões de m3/dia, mas a disponibilidade limita-se a 1,5 milhão de m3/dia, calcula a consultoria Gás Energy. Esta situação se repete em quase todo o País. Só o governo e a Petrobrás parecem ignorar que falta gás e que sua oferta não depende apenas da boa vontade de empresas locais, mas da importação da Bolívia, um país politicamente instável.

Um alerta sobre os riscos de novos colapsos energéticos foi feito por associações de classe, como a Abdib, e por especialistas, como Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura, e Marco Aurélio Tavares, da Gás Energy.

O ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, parece ignorar o alerta feito pelos quadros técnicos do governo. A direção da Aneel já teria alertado para os riscos de se repetir, nos próximos anos, um colapso semelhante ao de 2001, quando se gastou mais água dos reservatórios do que o recomendável e não havia capacidade ociosa nas termoelétricas. Agora, sem gás para consumo imediato e sem garantia de suprimento até 2010, o Brasil volta a depender das chuvas. O governo diz que a demanda está contratada, mas se refere só ao mercado cativo e não ao mercado livre, que responde por 20% da oferta. O cenário não é tranqüilizador.