Título: Amorim e Lamy trombam no tema mercado agrícola
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/11/2006, Economia, p. B12

Aliados no esforço de concluir a Rodada Doha, a negociação multilateral de liberalização comercial da Organização Mundial do Comércio (OMC), o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, e o diretor-geral da entidade, o francês Pascal Lamy, trombaram ontem ao focar as diferenças que persistem no G-20, grupo de economias em desenvolvimento liderado por Brasil e Índia, sobre acesso a mercado agrícola.

Lamy exortou o G-20 a buscar o consenso sobre o tratamento a ser dado aos produtos especiais e às salvaguardas, tema que coloca Índia e Argentina em posições antagônicas. Amorim afirma que 'não há divergências'. Apenas 'nuances de posições'.

'Devido às diferenças de sensibilidade no G-20, uma coesão sobre esses temas pode ajudar no processo de negociação. Boa parte do trabalho já estaria costurada para a aprovação dos outros membros', afirmou Lamy. 'Concordo 95% com Lamy na Rodada Doha. Mas talvez esse tópico faça parte dos 5% restantes. Fechar um acordo no G-20 sobre esse tema seria colocar o carro na frente dos bois', rebateu Amorim.

As divergências entre os negociadores foram expostas em momentos diferentes, logo após o encerramento da celebração dos 20 anos da Rodada Uruguai (1986-1994) da OMC.

Diplomaticamente, Lamy, explicou que a força do G-20 na Rodada Doha está nas diferentes posições e sensibilidades entre seus membros sobre as questões do próprio capítulo agrícola - objetivo que os uniu.

Para Amorim, este não é o momento de 'fomentar a divergência' no grupo. 'A Rodada Doha só chegou onde chegou por causa do G-20. Sua preservação é de interesse de toda a OMC.'

O chanceler não digeriu a advertência de Lamy, que está centrada em um ponto delicado. A Índia, que também é do G-33, outro grupo de economias em desenvolvimento, quer manter uma margem larga para a proteção de produtos agrícolas sensíveis. A iniciativa é considerada inaceitável pela Argentina e Uruguai. O Brasil tenta intermediar essa polarização, que pode detonar a unidade do grupo.

'Quando houver um movimento forte dos Estados Unidos e da União Européia sobre a redução dos subsídios e a abertura do mercado agrícola, capaz de apontar para a conclusão da rodada, aí veremos a posição do G-20', argumentou. 'Se, no acordo final, persistir algum subsídio aos agricultores, os países em desenvolvimento terão de manter cautela e preservar uma margem de proteção. Eles não podem ser mais generosos que os ricos.'

Amorim e Lamy tiveram cuidado ao expressar as razões que os levam a ser mais otimistas com relação à rodada. Em especial, sobre o movimento dos EUA, em conversas informais, de que poderiam rever a proposta de corte de subsídios e reduzir os incentivos, de US$ 22,5 bilhões para US$ 17,5 bilhões ao ano. Amorim disse que observa o 'continuado engajamento' de Washington, embora não tenha surgido 'gesto concreto'.