Título: Revendo as políticas agrícola e agrária
Autor: Marcos Sawaya Jank
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/10/2006, Espaço Aberto, p. A2

O Brasil tem sido pródigo em produzir falsas dicotomias, como a idéia do agronegócio contra a pequena agricultura, a agricultura patronal contra a agricultura familiar ou os grandes produtores contra os sem-terra. Premissas equivocadas alimentam invasões de terra, repulsa a empresas multinacionais e visões opostas sobre o futuro desejável para o setor. Caso único no mundo, o Brasil tem dois ministérios de agricultura vivendo uma guerra surda por atenção e recursos, um cuidando de mecanismos tradicionais de política agrícola e o outro, da reforma agrária e da agricultura familiar.

Qualquer pessoa que tenha estudado minimamente a matéria sabe que o agronegócio é apenas um marco conceitual para delimitar o sistema integrado de produção de alimentos, fibras e bioenergia. Todos os agricultores têm de se inserir no agronegócio, cedo ou tarde, sejam eles grandes ou pequenos, patronais ou familiares. O desenvolvimento histórico do setor é riquíssimo em experiências de migrantes que evoluíram incorporando inovação, eficiência e escala. Barões do café quebraram na crise de 1929. Migrantes italianos pobres que vieram colher café se tornaram os grandes usineiros de açúcar de hoje. Pequenos agricultores familiares do Sul, como André Maggi, pai do governador Blairo, viraram grandes produtores ultra-eficientes, abrindo cidades e construindo estradas e desenvolvimento.

A maioria da sociedade brasileira vive em cidades situadas a menos de 500 km da costa e simplesmente desconhece a história dos pioneiros que desbravaram este nosso rico país, dos bandeirantes de ontem aos sojicultores e pecuaristas de hoje. O Brasil cresceria muito mais se conseguisse ocupar de forma ordenada e sustentável a imensa área que se situa entre o litoral superpovoado e o entorno da floresta amazônica, do Centro-Oeste ao Nordeste.

Grande parte dos votos de Lula está ligada aos resultados espetaculares do agronegócio nos anos recentes. Geraldo Barros, da Esalq, estima que os preços dos alimentos pagos pelos consumidores brasileiros tenham caído 35%, em termos reais, entre o Plano Real e o ano passado. Enquanto o agronegócio é subsidiado na maior parte do mundo desenvolvido, aqui o setor transferiu mais de R$ 1 trilhão para a sociedade brasileira nos últimos dez anos, via ganhos de produtividades da terra, capital e mão-de-obra. O professor estima que apenas em 2005 o agronegócio tenha transferido R$ 150 bilhões para a sociedade, valor 12,5 vezes superior ao gasto atual do governo com os dois ministérios da área (R$ 12 bilhões por ano). Além disso, são US$ 40 bilhões anuais em divisas com exportações, o que coloca o País como o terceiro maior exportador e, de longe, o maior saldo comercial do planeta, já que as importações são irrisórias.

Enquanto isso, Brasília se perde numa querela ridícula entre ministérios duplicados e políticas antagônicas. Lula perdeu de Alckmin em todos os Estados agrícolas relevantes, do Sul ao Centro-Oeste. Se, de um lado, a sobrevalorização cambial permite que o governante se vanglorie dos baixíssimos preços agrícolas em ano eleitoral, do outro o troco chega de forma nada sutil, via quebradeiras no campo e perda de oportunidades na exportação.

Além disso, o governo gasta mal, muito mal, com o setor. Nos últimos três anos (2003 a 2005), a burocracia e os gastos dirigidos abocanharam 78% dos recursos dos dois ministérios. Sozinha, a administração consumiu 20% do total (R$ 6 bilhões). O programa de apoio à agricultura familiar (Pronaf) consumiu R$ 6,7 bilhões com políticas de caráter fortemente assistencialista: boa parte dos recursos virou consumo corrente, enquanto os investimentos para aumentar a produtividade deixam a desejar. Os subsídios embutidos nos empréstimos do governo e nas sucessivas renegociações de dívidas passadas custaram outros R$ 7,2 bilhões. São políticas igualmente ineficientes e paliativas. Neste triênio, o governo gastou ainda R$ 4,2 bilhões com reforma agrária e outros R$ 2,8 bilhões com abastecimento. Enquanto isso, os programas que colocaram o Brasil na dianteira do mundo no agronegócio foram jogados para segundo plano: irrigação (R$ 0,6 bilhão), pesquisa e tecnologia (R$ 0,4 bilhão), defesa sanitária (R$ 0,3 bilhão) e extensão rural (R$ 0,3 bilhão). O governo gasta cada vez mais com políticas dirigidas a grupos específicos (administração, produtores endividados, assentamentos, etc.) e corta recursos dos bens públicos fundamentais para a competitividade do conjunto dos agricultores.

O próximo governo traria enormes benefícios ao setor se conseguisse concentrar atenção e recursos em não mais que sete ações de política pública. A receita é simples. Quatro delas são medidas macro, fora do escopo dos ministérios da área: 1) Manter o câmbio real em níveis adequados com baixa volatilidade, além de reduzir a famigerada taxa de juros; 2) investir em infra-estrutura e logística; 3) promover uma política comercial agressiva: acesso a mercados, redução de subsídios, contenciosos e harmonização sanitária; 4) assegurar direitos de propriedade e segurança jurídica. Já as três políticas específicas mais críticas para a competitividade do setor são: 5) Políticas para a sanidade e a qualidade: P&D, rastreabilidade, certificação, meio ambiente, etc.; 6) políticas para aumentar a inserção competitiva do pequeno produtor, evitando o assistencialismo inócuo; 7) políticas para administrar riscos (seguro rural e hedge).

O governo que conseguir implementar essas sete medidas será certamente julgado como competente. Agora, ele será um governo realmente heróico se conseguir ir além, promovendo: 1) A reunificação dos dois ministérios da área, acabando com as falsas premissas e as trombadas; 2) a revisão do programa de reforma agrária, com o monitoramento rígido dos seus custos e benefícios e a fixação de uma data para concluir o processo; e 3) o enterro definitivo das intermináveis renegociações de dívidas agrícolas.