Título: A composição do novo Congresso
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Fonte: O Estado de São Paulo, 04/10/2006, Notas e Informações, p. A3

Sendo o que é a legislatura a terminar em 31 de janeiro, infestada de mensaleiros e sanguessugas, é apenas natural que o resultado das eleições de domingo para o Congresso seja encarado pelos brasileiros que ainda sonham com a restauração da ética política antes de mais nada pelo prisma dos eventuais ganhos ou perdas para a moralização da atividade parlamentar. A primeira pergunta de todos quantos, sem condescender com a corrupção, se preocupam com as decisões que ditarão os rumos do País nos próximos quatro anos é sobre os efeitos da nova composição da Câmara e Senado para a sempre mencionada governabilidade.

Do ângulo da integridade da instituição legislativa, há o que festejar e o que deplorar - pelo menos no plano simbólico - em proporções razoavelmente equivalentes. Perto de 50% dos atuais deputados foram substituídos, o maior índice de renovação desde os 55% de 1994. Os quase 300 mil eleitores que colocaram o deputado verde Fernando Gabeira, uma das forças motrizes da CPI dos Sanguessugas, no topo da bancada fluminense e a derrota do rei do baixo clero e ex-presidente ímprobo da Câmara Severino Cavalcanti - que Gabeira teve o desassombro de peitar em plenário - são fatos alvissareiros.

O malogro do presidente da CPI, Antonio Carlos Biscaia, e o êxito do mensaleiro João Paulo Cunha, o mais votado do PT paulista, são desalentadores. Já o espaçoso deputado Professor Luizinho, outro absolvido na Pizzaria Plenário, foi condenado pelo eleitor, assim como a coreógrafa do mensalão, Ângela Guadagnin. (Dos 11 parlamentares do valerioduto que teimaram em continuar na Câmara, 7 foram bem-sucedidos.) As urnas também removeram o mais notório dos citados no escândalo das ambulâncias superfaturadas, o senador Ney Suassuna. (Dos 69 deputados suspeitos, 64 não voltarão.)

Para a imagem do Legislativo e o decoro parlamentar, os piores resultados foram a volta do agora neolulista Fernando Collor ao Senado, com 550 mil votos (44% do total de válidos em Alagoas), o regresso de Paulo Maluf e o ingresso de Clodovil na Câmara. Mais de 700 mil paulistas votaram no primeiro, quase 500 mil no segundo. Proporcionalmente, porém, a soma representa apenas 6% dos votos válidos no Estado. Collor e Maluf, cujas energias bem que eles poderiam ter canalizado para outros fins, decerto tentarão se afirmar na nova legislatura. É cedo para dizer, em todo caso, se conseguirão papéis à altura de suas ambições.

A grande atração da futura Câmara será Ciro Gomes, do PSB. Não só ele foi o deputado mais votado do País, porcentualmente, como ainda o seu irmão Cid será o governador do Ceará. Se Lula se reeleger, terá em Ciro o seu principal artilheiro na Casa, mas não o seu principal armador. Em teoria, ninguém mais bem talhado para essa função do que o ex-ministro Antonio Palocci, em que pese o que pesa contra ele. Já se Alckmin for o próximo presidente, Ciro criará todas as oportunidades para dar vazão ao seu preconceito contra São Paulo - e não está claro, a esta altura, com quem o ex-governador poderia contar, se alçado ao Planalto, para comandar com competência o bloco situacionista na Câmara.

Qualquer que seja o presidente, o certo é que terá de se entender da melhor forma possível com o PMDB. Com 89 deputados, o partido-ônibus formará a maior bancada, credencial que as urnas de 2002 haviam dado ao PT. O partido do presidente perdeu 8 das 91 cadeiras originais. O PMDB acrescentou 14 às do pleito anterior. Se Lula for mantido no Planalto, a bancada governista, com 322 membros, seguirá majoritária, embora desfalcada de 19 cadeiras. Alckmin, portanto, começaria inferiorizado, apesar do crescimento do atual bloco oposicionista, de 167 para 182 integrantes. Isso não obstante o recuo do PFL, que elegeu 19 deputados a menos do que os 84 de 2002.

Para Lula, a vida nunca foi fácil no Senado. Reeleito, ela ficará mais difícil, com o emagrecimento da em geral fiel bancada peemedebista (das atuais 20 cadeiras para 15) e o relativo robustecimento da ala pefelista (de 16 para 18). A oposição precisa atrair mais 8 senadores apenas para conquistar a maioria absoluta na Casa - o que deve soar como música aos ouvidos de Alckmin. No fim das contas, com ele ou Lula, as decisões que interessam ao Brasil dependerão do comportamento que vierem a adotar, no Congresso, os perdedores de 29 de outubro - e da capacidade dos vencedores, no Planalto, de construir consensos.