Título: A oportuna barreira
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/10/2006, Notas e Informações, p. A3

A maior novidade produzida pela eleição de domingo no Congresso Nacional, já que não houve substantivas mudanças na sua composição, foi o início da drástica redução de siglas partidárias, graças à vigência da chamada 'cláusula de barreira', imposta pela Lei dos Partidos Políticos. Por esse dispositivo, já a partir da eleição que acaba de ser realizada, o partido político precisa ter obtido 5% dos votos no País e 2% em no mínimo nove Estados. Os parlamentares eleitos, daqueles partidos que não satisfizerem tais exigências, perderão muitas prerrogativas, tais como a de participar de Comissões técnicas, de CPIs ou a de ter gabinetes de liderança. E os partidos que não ultrapassaram a barreira perderão a maior parte do quinhão do Fundo Partidário a que tinham direito, bem como o tempo de participação na propaganda gratuita no rádio e na televisão.

Dos 29 partidos políticos que participaram desta eleição, 21 fizeram deputados mas apenas 7 (número a ser confirmado com os resultados finais proclamados pela Justiça Eleitoral) escaparam da cláusula de barreira, a saber PT, PMDB, PSDB, PFL, PP, PSB e (a confirmar) PDT. Dessa forma, 118 parlamentares eleitos domingo pelos 14 partidos barrados terão que atuar na Câmara dos Deputados como autônomos, sem estrutura partidária - enfrentando o já incômodo apelido de 'zumbi' -, o que deve incentivá-los a buscar um partido maior, ou a fusão entre 'nanicos', para a própria sobrevivência. Certamente não há outro lugar do mundo onde exista tamanho número de siglas partidárias - como se a Democracia representativa mostrasse evolução (e não o contrário) por critérios 'quantitativos' ou de volume de legendas. Haveria numa sociedade tão colossal diversidade ideológica ou doutrinária, que a fizesse necessitar de tal batelada de canais político-partidários, de expressão e representação?

Para que tem servido esse sistema que favorece a uma quantidade exagerada de partidos? Ele foi introduzido da maneira mais equivocada em nosso processo de redemocratização e, em vez de ajudar, apenas tem atrapalhado nossa evolução política. Tornou-se um dos fulcros (não o único) do fisiologismo, gerando as legendas de aluguel, a compra e venda de apoio e votos no Legislativo e, especialmente, as transações rasteiras efetuadas por conta do horário gratuito no rádio e na televisão, nas campanhas eleitorais. Graças à força da comunicação eletrônica de massas, o cenário político tem sido infestado por figuras grotescas de 'donos' de partidos nanicos, muitos dos quais com suas rápidas falas e gestos estapafúrdios, apenas para causar impacto na audiência, muitas vezes obtêm grandes votações, atraindo o desiludido e debochado voto 'cacareco'.

Algumas vezes certas figuras de partidos nanicos entram na disputa entre os principais candidatos como se fossem pistoleiros contatados por um deles para liquidar o outro. Enfim, com maiores ou menores conseqüências no processo da disputa eleitoral, o campo superpopuloso de legendas sem quaisquer consistência - ideológica, doutrinária, programática - apenas tem o condão de poluir o espaço político brasileiro, sem dúvida rebaixando-o de nível. Neste sentido, a entrada em vigor da cláusula de barreira se torna uma preliminar da reforma política, a preparação de terreno indispensável a mudanças que se pretendam estabelecer no sistema político brasileiro, digam respeito a fidelidade partidária, a voto distrital (ou misto), a financiamento de campanhas e demais itens da pauta reformista almejada por amplos setores de nosso sistema político.

Talvez a permanência de seis ou sete siglas partidárias ainda seja um excesso - posto que muitas boas democracias podem funcionar perfeitamente com duas ou três. De qualquer forma, não se imaginando no momento que exista um número ideal de organizações partidárias em que a sociedade possa se fragmentar, é necessário que as dificuldades impostas à criação de novos partidos fortaleça os remanescentes, induza à maior fidelidade partidária e iniba a ligeireza dos que trocam de partido como quem troca de camisa, às vezes apenas por oportunismo eleitoral.