Título: No trabalho, Mantega faz campanha para Lula
Autor: Lu Aiko Otta
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/10/2006, Nacional, p. A6

Numa inusitada entrevista de conteúdo eleitoral, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, surpreendeu ontem os jornalistas que o abordaram à porta do ministério, cobrando do candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, seu programa de governo na área econômica. Com críticas ao que chamou de 'propostas desencontradas' do candidato, Mantega vestiu a camisa de campanha e disse que, até aqui, só o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez reformas e anunciou que ele continuará fazendo.

O discurso eleitoral foi mais surpreendente ainda porque ocorreu quase simultaneamente à decisão do governo de estudar a licença de ministros para ajudar na campanha do segundo turno. Faltou ao ministro da Fazenda o cuidado que o governo teve ao separar as equipes de governo e de campanha.

A repercussão foi imediata. Eduardo Alckmin, advogado e primo do candidato Geraldo Alckmin, disse que estuda a possibilidade de questionar na Justiça Eleitoral o comportamento de Mantega, passível de ser qualificado como uso da máquina pública. Em seguida, a Fazenda distribuiu nota em que explica apenas que Mantega não convocara entrevista coletiva para dar as declarações, mas a nota não faz nenhuma consideração sobre o conteúdo das declarações do ministro.

REFORMAS

Entre as críticas a Alckmin, disse Mantega: 'Uma hora eu vejo que ele (Alckmin) vai fazer um ajuste fiscal rígido. Aí, eu me pergunto: ele vai cortar o quê? Os programas sociais?' Segundo o ministro, o tucano também vem prometendo fazer mais reformas, mas não explicitou quais. 'Até agora, eu não vi o programa econômico do candidato Alckmin', disse. 'Por enquanto, quem fez as reformas foi o governo Lula, que continua encaminhando novas reformas.'

Entre as 'novas reformas', ainda no contexto comparativo entre os dois candidatos, Mantega anunciou a aplicação de um redutor nos gastos públicos. Não se trata de um corte, mas de uma fórmula que fará com que as despesas aumentem numa velocidade menor do que a do crescimento da economia, ao contrário do que ocorre hoje. É a mesma proposta que, no ano passado, foi chamada de 'rudimentar' pela ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.

Em entrevista ao Estado, no domingo, Mantega disse que esse programa de ajuste fiscal agora é consenso no governo e o presidente Lula já concordou em implementá-lo. Gastando menos, será possível fazer um programa de cortes na carga tributária e também trabalhar para reduzir o custo em infra-estrutura. Ontem, o ministro acenou com cortes de impostos sobre os bens de capital (máquinas pesadas). Por outro lado, afirmou Mantega, Lula não fará a reforma da Previdência em um eventual segundo mandato.

NÚMEROS

O ministro fez esses comentários numa rápida entrevista na portaria do Ministério da Fazenda, na qual informou que em breve serão divulgados números mostrando que a indústria voltou a crescer em agosto.

Questionado sobre por que, na sua avaliação, o mercado financeiro teria se animado com a realização do segundo turno, Mantega, ainda embalado pelo clima eleitoral, respondeu: 'Talvez o mercado goste mais do Alckmin, mas a população gosta do Lula.'

Ele rechaçou a avaliação de que estaria praticando terrorismo eleitoral ao cobrar o programa de Alckmin. 'Me acusar de terrorismo eleitoral considero uma piada de ressaca eleitoral. Eu estou apenas querendo saber qual é o programa que o outro candidato tem.'

Depois de se reunir por três horas com seus assessores para avaliar o resultado das votações do último domingo, Mantega afirmou que as condições de governabilidade de um eventual segundo mandato de Lula melhoraram. 'Os principais partidos oposicionistas perderam deputados na Câmara. No Senado, a situação não se alterou, nos governos estaduais a situação também melhorou. Então, isso é um sinal de que haverá maior governabilidade no próximo governo', afirmou.

Os números do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), porém, mostram o contrário. As bancadas de PFL e PSDB na Câmara cresceram dos atuais 123 deputados para 130, enquanto a base do governo na Casa, sem considerar o PMDB, caiu dos atuais 257 parlamentares para 223. No Senado, a situação também piorou, pois o PFL passou a ser a maior bancada da Casa, com 18 senadores, e pode ter a chance de eleger o presidente do Congresso, já que a bancada do PMDB, que nem sempre vota com o governo, caiu de 20 para 15 senadores.

Ação do ministro preocupa mercado

Profissionais do mercado financeiro criticaram a atitude do ministro Guido Mantega, que deu entrevista para falar da disputa do segundo turno da eleição presidencial. Os especialistas acreditam que a iniciativa de Mantega foi dirigida e coloca em xeque a credibilidade da pasta mais importante do governo.

Agentes do mercado financeiro, que preferiram não se identificar, entenderam a ação de Mantega como uma amostra do que será a campanha de Lula nesta fase da eleição. Os críticos viram dois pontos negativos na iniciativa de Mantega. Em primeiro lugar, avaliaram que o presidente Lula estaria disposto a 'usar de todos os artifícios para vencer a eleição'. E consideram que o ministro demonstrou fraqueza ao não rejeitar um papel que colocaria a credibilidade da Fazenda e de seu titular em jogo.

'Isso é algo que pediram para ele fazer, e ele fez. Ao que parece, é uma pessoa que não tem condição de dizer não, o que é muito ruim no caso de alguém que ocupa a pasta mais importante da Esplanada dos Ministérios', afirmou representante de associação que reúne bancos.