Título: Base da teoria do Big Bang leva o Nobel
Autor: Cristina Amorim
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/10/2006, Vida&, p. A20

Uma dupla americana conquistou ontem o Prêmio Nobel de Física de 2006 e 10 milhões de coroas suecas (quase R$ 3 milhões) por olhar para o passado. John Mather, do Centro Goddard de Vôo Espacial da Nasa, e George Smoot, da Universidade da Califórnia em Berkeley, descreveram com detalhes como era o universo quando bebê.

O trabalho, divulgado no início da década de 90, transformou a cosmologia de um quase achismo filosófico para uma ciência quantificada. Com isso, calcificou modelos sobre a origem de tudo que conhecemos, o Big Bang, e deu sustentação para que esta área expandisse como o próprio universo, com braços que se estendem à física de partículas e à busca de provas da matéria escura (responsável por 25% do universo).

'Eles não provaram a teoria do Big Bang, mas deram a ela uma base muito forte', diz Per Carlson, presidente do comitê que escolhe o vencedor da categoria. 'É uma das maiores descobertas do século. Eu diria a maior.'

Os dois têm noção da importância de seu trabalho, mas nem por isso deixaram de sentir o peso de um Nobel na prateleira. 'Não digo que foi uma surpresa, porque as pessoas diziam que devíamos ser premiados, mas é uma honra muito rara e especial', disse Mather. 'Fiquei surpreso que eles sabiam meu telefone', que não está na lista, afirmou Smoot. 'A descoberta foi fabulosa e este é um imenso reconhecimento.'

Os dois participaram da missão Cobe, corruptela em inglês para Explorador do Fundo Cósmico, satélite da Nasa lançado em 1989 para estudar a radiação cósmica de fundo - em termos gerais, um 'eco' de mais de 13 bilhões de anos que remete a uma época em que o universo tinha só 300 mil a 400 mil anos. Sua existência já havia sido comprovada por outros dois vencedores do Nobel, em 1964, mas nunca estudada.

Mather, hoje com 60 anos, montou a proposta do satélite em 1974 e foi o grande responsável por colocar a sonda em órbita ao liderar uma equipe de mais de mil pessoas. O projeto estava ameaçado após perder sua carona: o satélite, projetado para ser lançado em um ônibus espacial, teve de ser totalmente modificado para caber num foguete após o Challenger explodir em 1986 e a Nasa guardar suas naves por anos.

Smoot, atualmente com 61 anos, chefiava a equipe que estudou as pequenas variações nas microondas registradas pelo Cobe. Apesar de sensíveis, tais alterações na radiação foram calculadas de trás para a frente para determinar quando e a que temperatura a matéria se aglutinou para formar estrelas e galáxias.

Isso porque as microondas achadas hoje no cosmo já foram outro tipo de radiação há 14,3 bilhões de anos, com um comprimento de onda muito menor. Na mesma proporção, a temperatura hoje medida de 2,7 kelvin (-270°C) era de 3 mil kelvin (2.726°C) - quente demais para que elétrons e nêutrons se organizassem. Só com a expansão do universo e seu resfriamento surgiram os átomos, que formaram estrelas, planetas e tudo que existe.

ENGASGO

Três anos após o lançamento do Cobe, em 1992, físicos seguraram a respiração quando viram gráficos projetados numa tela com dados do satélite. A publicação de um artigo na Astrophysical Journal Letters fez o astrônomo Stephen Hawking chamar o trabalho de 'a maior descoberta do século, se não de todos os tempos'.

Exageros à parte, nenhum cientista hoje que estuda o universo no passado, presente e futuro deixa de usar conceitos e dados gerados pelo Cobe e pelos trabalhos subseqüentes. Até então, os físicos teóricos tentavam grudar peças isoladas de evidência cercadas por incertezas gigantes.

'Estamos não apenas entendendo qual era a cara do universo quando ele era um embrião como estamos tentando visualizar seu genoma', disse Smoot. 'A implicação do trabalho está no mito científico da criação. Ele fornece um ponto de vista de como o mundo se formou.' O discurso, que pode ser interpretado como tentativa de unir ciência e religião, fez parte de uma apresentação do físico em 1992: 'Para quem é religioso, é como olhar para Deus'.

A física Ivone Albuquerque, da USP, que trabalhou quatro anos com Smoot em Berkeley, diz que ele é um dos únicos cientistas da atualidade que juntam física teórica e experimental com a mesma qualidade. 'Ele incentiva a equipe a pensar. E tem uma intuição incrível para a física, baseada em sua experiência e conhecimento.'

Mather deixa implicações metafísicas de lado e foca a física simplesmente experimental. Ele é cientista-chefe do grupo que monta o telescópio substituto do Hubble, o James Webb, que vai para o espaço em 2013. Um dos objetivos é olhar para resquícios do universo jovem. 'Há muito mais detalhes que queremos saber sobre a radiação do Big Bang. Com o James Webb não vamos olhar diretamente para o evento, mas para o que surgiu logo depois. Vamos procurar as primeiras estrelas.'