Título: Candidatos voltam a citar números errados em debate
Autor: Sérgio Gobetti
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/10/2006, Nacional, p. A14

Os dois candidatos à Presidência da República voltaram a repetir anteontem, no segundo debate pela TV do segundo turno, os mesmos exageros e gafes com números que cometeram no duelo da semana anterior. Até mesmo algumas perguntas foram formuladas da mesma maneira - como quando o presidente Lula questionou o tucano Geraldo Alckmin sobre a baixa avaliação dos estudantes de São Paulo no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).

'O candidato Lula está fazendo a mesma pergunta do debate anterior, e eu já expliquei para ele, mas vou explicar novamente', disse o candidato do PSDB. Além disso, o presidente voltou a manipular os números sobre os investimentos em saneamento para tentar provar que seu governo teria feito em quatro anos mais do que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em oito anos. 'Investimos R$ 10 bilhões, 14 vezes mais que o governo passado em saneamento', disse Lula, exatamente como tinha feito no debate da TV Bandeirantes.

Como informou o Estado na semana passada, o valor informado por Lula não correspondia ao gasto efetivo, mas aos recursos disponibilizados pelo Orçamento da União e pelo FGTS. Mesmo sob esse critério, o valor do governo Lula (R$ 9 bilhões até março de 2006) é inferior aos R$ 13,5 bilhões investidos pelo governo FHC. E essa informação é fornecida pelo próprio governo Lula em um documento conjunto dos ministérios das Cidades e da Fazenda, de dezembro de 2004.

Da mesma forma, o candidato do PSDB voltou a apresentar números positivos sobre a contenção de despesas em São Paulo que não correspondem aos dados oficiais do balanço orçamentário do Estado. Ele diz, por exemplo, que economizou R$ 4 bilhões em compras, mas o balanço oficial mostra que os gastos com aquisição de material de consumo cresceram de R$ 1,3 bilhão em 2002 para R$ 2,5 bilhões em 2005.

No total, a despesa de custeio da administração estadual passou de R$ 8,1 bilhões para R$ 13,7 bilhões em três anos - mais que o dobro da inflação do período. Só em serviços de consultoria, por exemplo, o governo paulista elevou sua despesa de R$ 52,8 milhões em 2002 para R$ 176,3 milhões em 2005, uma expansão de 233%.

Lula também exagerou ao tentar mostrar vantagem da sua administração na área de saúde. Disse que tinha criado 440 centros de saúde bucal. Na verdade, criou 200 e reformou outros 170 até agosto passado. Afirmou ter aumentando o número de agentes de saúde de 175 mil para 270 mil, mas o número correto é de 217 mil.

GASTOS NA SAÚDE

Quanto aos gastos totais na área de saúde, Lula disse que os mesmos tinham aumentado de R$ 28,3 bilhões em 2002 para R$ 44,4 bilhões em 2006. Este é o valor previsto no Orçamento deste ano, mas até o dia 10 de outubro, o gasto efetivo não passava de R$ 30,3 bilhões. No ano passado, por exemplo, a despesa ficou em R$ 38 bilhões, o que, descontando a inflação, é o mesmo gasto de 2002.

Comparando com o Produto Interno Bruto (PIB), conforme determina a emenda constitucional que criou o piso de gasto com a saúde, o investimento realizado em 2005 chega a ser até um pouco inferior ao de 2002 - 1,77% ante 1,89%. Ou seja, Lula não está cumprindo o que prevê a PEC, e sua equipe econômica por várias vezes já tentou derrubar o piso constitucional.

Pouco familiarizado com os números, lendo a maior parte deles de um relatório elaborado pelos assessores, o presidente cometeu alguns erros primários ao tentar improvisar. Isso ocorreu, por exemplo, quando citou o valor de US$ 75 bilhões das reservas cambiais e disse que o mesmo era maior até mesmo do que a dívida líquida do setor público. Qualquer pessoa que acompanhe as finanças públicas sabe que a dívida líquida do setor público supera o R$ 1 trilhão, ou seja, mais de US$ 450 bilhões - quase sete vezes mais do que as reservas exaltadas pelo presidente.

Lula também exagerou ao dizer que a economia, no seu governo, tinha crescido bem mais do que na administração FHC. Entre 1995 e 2002, o PIB cresceu 2,32% em média, enquanto entre 2003 e 2006 deve chegar a 2,68% no melhor das hipóteses - ou seja, uma diferença muito pequena.

Alckmin, por outro lado, criticou o governo Lula por manter a maior taxa real de juros do mundo, em torno de 10% ao ano, mas omitiu o fato de a mesma taxa ter atingido até 40% durante a gestão FHC, especialmente no primeiro mandato, quando serviu para manter o real artificialmente valorizado em relação ao dólar. Na prática, a política de juros dos dois governo foi muito semelhante, embora o tucano diga que Lula poderia ter reduzido mais a taxa Selic pelo cenário internacional favorável, ao contrário do período anterior.