Título: 'O vôo de 6ª foi duplamente vigiado'
Autor: Valéria França
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/10/2006, Metrópole, p. C3

Presidente da Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (Infraero),o brigadeiro José Carlos Pereira acompanhou de perto as providências oficiais tomadas desde que o Boeing da Gol chocou-se no ar com o Legacy, na sexta-feira. Piloto de caça, depois de grandes aeronaves, Pereira ainda foi piloto particular do ex- presidente João Batista Figueiredo.

O sr. acredita que o Boeing da Gol tenha desviado da rota original?

O Boeing é como um ônibus, nunca sai da estrada. O piloto decola, estabiliza o vôo, e sai para tomar café. Daí quem assume é o piloto automático. Até porque é muito difícil pilotar um avião desse tamanho a 37.000 pés. Ninguém segura na mão. A distância entre as aerovias é de 300 metros. Parece muito, mas não é. Na mão do piloto, seria fácil invadir o espaço aéreo do outro. O piloto automático varia a altura em no máximo 1 metro.

O problema foi o Legacy?

Sabemos que ele estava com o transponder desligado. Esse aparelho é muito parecido com um radar, uma espécie de identificador eletrônico, que transmite dados do avião em tempo real, como altura, velocidade e tipo de aeronave. Essas informações aparecem no monitor do controlador, em terra. Se o avião mudar a altura durante a rota, o transponder informa aos controladores. A outra finalidade do transponder é acionar o TCAS. O sistema tem uma antena de radar que transmite um sinal primário que reconhece qualquer coisa num raio de 20 quilômetros, desde que também tenha um transponder acionado.

Se os dois tivessem com o transponder ligado não bateria?

Seria impossível. O aparelho toca um alarme brutal.

Vinte quilômetros não é uma distância pequena para o piloto tentar escapar do choque?

Isso significa que o piloto terá 10 segundos para agir. É muito tempo para uma manobra de fuga, acredite.

É permitido desligar o transponder durante o vôo?

É uma infração. Quando o piloto decola, recebe um plano de vôo e um número correspondente. É o identificador da aeronave, que será transmitida pelo transponder. Ninguém decola de um aeroporto sem o transponder ligado.

Então por que o piloto desligou o transponder?

Um piloto só desliga quando não quer ser identificado. O do Legacy pode ter desligado por pretender fazer alguma estripulia aérea longe dos olhos dos controladores. Mas também pode ser o caso de falha mecânica. É muito difícil um avião sair com problema de fábrica, pois antes de ser entregue um avião zero voa 50 horas para teste. O avião decolou com o equipamento funcionando. Só se foi uma pane no ar. E, nesse caso, a caixa-preta vai apontar o problema.

Há quem diga que o jato ficou sem o controle de vôo ao passar do Cindacta 1 para o Cindacta 4. Há falha no sistema?

O sistema é seguro. Os controladores funcionam como guardas de trânsito, organizando o fluxo na tentativa de evitar que acidentes como o do Boeing e o Legacy aconteçam.

Como é feito o controle espacial?

Há três grandes postos de vigias do céu. O primeiro deles é o dos APP, os Controles de Aproximação. Cada aeroporto tem um. Ali, os controladores monitoram decolagens e aterrissagens. Como o trânsito é intenso, muitas vezes as aeronaves ficam aguardando no ar a autorização para aterrissar. Para ajudar ainda contam com as Torres de Controle, que, além de contra com os radares, monitoram o tráfego visualmente. Mas o comando da torre só interfere no trânsito a até 5 milhas em torno do aeroporto. As autorizações de decolagem e aterrissagem vêm da Torre de Controle. Tem ainda os Centros Integrados de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (Cindactas). O Brasil é dividido em quatro regiões. O acidente aconteceu justamente na fronteira entre o Cindacta 1 (Brasília) e 4 (Manaus). Uma aeronave que trafega num área limite não está fora de observação, ao contrário, é duplamente vigiada. Entre um Cindacta e outro há ainda uma linha quente de telefone, para casos de emergência.

Um avião com o transponder desligado é um caso de emergência?

É caso de alerta. Uma aeronave que fique mais de 3 minutos com o transponder desligado muda de cor na tela do operador. Passa de branco para amarelo. Se um piloto entra no espaço aéreo brasileiro ou se decola de uma fazenda sem plano de vôo, ele coloca no transponder o número 2000. Isso significa que ele está sem plano de vôo e quer se comunicar. No caso de perda dos sinais de rádio, o número é 7600 e se for uma emergência grave, 7500. Tem número até para comunicar seqüestro de avião.