Título: 'Povo fará reforma agrária ainda que à força', ameaça Evo
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Fonte: O Estado de São Paulo, 17/11/2006, Internacional, p. A15

Sem votos suficientes no Senado para aprovar uma lei de reforma agrária, o presidente da Bolívia, Evo Morales, advertiu ontem que 'o povo se levantará' se a oposição bloquear a medida. O projeto, que passou na Câmara quarta-feira, prevê a recuperação de terras consideradas improdutivas e sua distribuição para camponeses pobres. 'Se alguns parlamentares não quiserem aprovar a nova lei (de terras), o povo se levantará para fazê-la aprovar à força', declarou Evo numa entrevista coletiva que concedeu ontem na sede do governo. 'Não haverá acordos com os latifundiários', acrescentou depois de denunciar 'algumas famílias de Santa Cruz (a província mais próspera do país) e dos departamentos amazônicos de Beni e Pando que não querem entender a nova política agrária'.

De acordo com o governo boliviano, a nova lei - na verdade uma emenda que amplia a legislação de reforma agrária já existente - distribuirá entre indígenas e camponeses sem-terra cerca de 20 milhões de hectares de terra no país. 'O povo votou pela mudança e a mudança é o fim do latifúndio', afirmou Evo.

Cerca de 100 famílias de brasileiros estão radicadas na região de Santa Cruz, onde se dedicam ao cultivo de soja. Muitas temem que a nova legislação agrária se estenda também para um processo de nacionalização das terras bolivianas - semelhante ao que confiscou de empresas estrangeiras todo o ciclo produtivo das atividades de gás e petróleo, em 1º de maio.

O partido opositor Podemos (Poder Democrático e Social), liderado pelo ex-presidente direitista Jorge Quiroga, controla o Senado e seus membros já deixaram claro que não aprovarão a lei de terras. 'O presidente que não nos ameace com os movimentos sociais', disse o senador do Podemos Wálter Guiteras. 'Se quiser, que feche o Legislativo. Não vamos trabalhar com a espada sobre a cabeça, ante a ameaça de intervenções.'

Levantes sociais sangrentos - liderados por sindicatos e movimentos sociais indígenas - causaram recentemente a queda de dois presidentes bolivianos, Gonzalo Sánchez de Lozada (2003) e Carlos Mesa (2005).

Evo também enfrenta a oposição conservadora na Assembléia Constituinte, que funciona em Sucre. O Movimento ao Socialismo (MAS), partido do presidente, tem maioria na assembléia e tenta impor a norma interna do fórum - onde pretende aprovar matérias com 50% dos votos mais 1. Em protesto, sete constituintes da opositora União Nacional (UN) se declararam ontem em greve de fome. A oposição quer que os artigos da futura Carta sejam aprovados por maioria de dois terços.