Título: Papa reafirma exigência de celibato
Autor: José Maria Mayrink
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/11/2006, Vida&, p. A17

O papa Bento XVI reafirmou ontem a exigência do celibato sacerdotal, depois de uma reunião de três horas com cardeais do Dicastério da Cúria Romana, convocados para examinar as conseqüências da excomunhão de d. Emanuel Milingo, arcebispo emérito (aposentado) de Lusaka, em Zâmbia, que se casou em 2001 e foi punido em setembro por ter ordenado quatro bispos à revelia de Roma.

Segundo nota da Sala de Imprensa do Vaticano, a reunião 'também refletiu sobre os pedidos de dispensa da obrigação do celibato e os pedidos de readmissão ao ministério apresentados pelos sacerdotes casados durante os últimos anos'.

O Dicastério é o conjunto das nove Congregações Romanas, entre as quais a Congregação para o Clero, cujo prefeito é o brasileiro d. Cláudio Hummes, nomeado há duas semanas para o cargo. 'Foi reafirmado o valor da escolha do celibato sacerdotal segundo a tradição católica e salientou-se a exigência de uma sólida formação humana e cristã tanto para os seminaristas como para os sacerdotes já ordenados', informou a nota de imprensa, sem fornecer detalhes sobre a reunião e a intervenção do papa nos debates.

Em sua edição de hoje, o jornal L'Osservatore Romano, órgão oficioso da Santa Sé, publica apenas quatro linhas na primeira página sobre a decisão.

A reunião de ontem, classificada como de rotina, foi a terceira do Dicastério desde a eleição de Bento XVI, em abril do ano passado.

A reafirmação do celibato obrigatório é uma resposta direta e definitiva às reivindicações de Milingo, de 76 anos, que em 2001 desafiou o Vaticano ao se casar com a médica sul-coreana Maria Sung. Recentemente, Milingo escreveu ao papa sugerindo que padres casados fossem readmitidos ao exercício do sacerdócio.

Segundo o arcebispo africano, a maioria de um total de aproximadamente 150 mil padres casados estaria disposta a reassumir suas funções, com a condição de continuar com suas mulheres. Em defesa dessa reivindicação, Milingo fundou nos Estados Unidos a associação Married Priests Now (Padres Casados Já), cujos membros continuam celebrando missas e administrando os sacramentos, apesar da condenação de Roma.

Ao comunicar, em 26 de setembro, que o arcebispo emérito de Lusaka incorreu em excomunhão automática por ter ordenado quatro bispos sem autorização do papa, o Vaticano lembrou que representantes da Igreja tentaram, em vão, entrar em contato com ele, para dissuadi-lo de prosseguir em ações 'que causam escândalo, sobretudo entre os fiéis que seguiram seu ministério pastoral em favor dos pobres e dos enfermos'.

Milingo foi confinado num convento nos arredores de Roma, depois de uma audiência com João Paulo II, na qual ele concordou em se separar de Maria Sung. A aceitação desse retiro imposto pelo papa seria uma demonstração de que o arcebispo se penitenciava por seu pecado e se curvava às normas do Direito Canônico.

Mas Milingo abandonou o convento, desapareceu por alguns meses e mais tarde voltou à cena em Washington à frente do seu movimento em defesa dos padres casados. Além de pregar o fim do celibato, Milingo incomodou o Vaticano com a prática indiscriminada do exorcismo para expulsar demônios.

DISSIDÊNCIA NO BRASIL

Há quase 20 anos o País tem a sua própria dissidência organizada de padres que abandonaram o celibato. O Movimento dos Padres Casados (MPC) tem hoje cerca de 5 mil membros.

Um deles é o professor Mário Palumbo, italiano de 73 anos, casado desde 1970. Palumbo, que tem três filhos e espera a chegada do terceiro neto, continua celebrando missas e batizados sempre que é requisitado e se diz hoje mais feliz do que nos tempos de celibato. 'Continuo com o mesmo ideal de antes, talvez até com mais firmeza', diz.

Ele não tem esperanças de que a Igreja reveja a questão do celibato. 'A Igreja só ira mudar daqui há alguns séculos.'

Para o bispo de Maringá (PR) e presidente da Comissão Episcopal Pastoral para os Ministérios Ordenados, d. Anuar Battisti, essa é uma questão que deve ser discutida, mas que não irá mudar. 'Penso que o papa só pode reafirmar o celibato', diz. 'Não há possibilidade dentro do momento atual de a Igreja questionar isso.'

A postura de Milingo é condenada por ele. 'As atitudes dele foram uma agressão pública às normas da Igreja.'