Título: Controle viu Legacy na contramão
Autor: Bruno Tavares, Tânia Monteiro
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/11/2006, Metrópole, p. C3

Por sete minutos, os operadores do centro de controle do tráfego aéreo de Brasília (Cindacta-1) tiveram em seus radares a informação de que o jato Legacy havia entrado na contramão da aerovia UZ6, que leva a Manaus. Às 15h55, a aeronave cruzou o eixo vertical de Brasília a 37 mil pés de altitude, contrariando seu plano de vôo, que previa 36 mil pés a partir daquele ponto. Mesmo assim, nenhum alerta foi emitido. Nesse momento, o transponder (antena que fornece dados sobre o vôo às outras aeronaves e radares em terra) do jato ainda funcionava. As informações emitidas pelo aparelho só desapareceram dos monitores às 16h02.

Segundo um oficial da Aeronáutica, o Legacy gastaria de dois a três minutos na manobra de descida. Assim, mesmo descontado esse tempo, sobraram de quatro a cinco minutos para que o controle alertasse o jato. 'Normalmente, não há por que fazer isso. Ele (Legacy) só teria tráfego essencial ( avião em sentido contrário) muito adiante.'

O relatório preliminar divulgado ontem pela Aeronáutica mostra ainda que o último contato bilateral dos pilotos americanos com o Cindacta-1 ocorreu às 15h51. Por 35 minutos, não houve qualquer tentativa de comunicação, nem por parte do Legacy nem dos controladores. Só às 16h26, depois de ficar sem as informações emitidas pelo transponder, é que o controle de Brasília iniciou uma série de sete chamadas ao jato, sem obter resposta.

Quatro minutos depois, houve perda momentânea - de 2 minutos - do contato com o radar primário, que indica ao controlador apenas a posição geográfica da aeronave. Às 16h38, o problema se repetiu, dessa vez 'definitivamente' - até a colisão com o Boeing da Gol.

Às 16h48 foi a vez de os pilotos do Legacy tentarem falar com os controladores. Foram 12 chamados em quatro minutos. Às 16h53, a tripulação do jato chegou a ouvir a última chamada feita às cegas (sem saber a localização da aeronave) pelo Cindacta-1. Entretanto, os pilotos Joseph Lepore e Jan Paul Paladino não conseguiram copiar as freqüências de rádio fornecidas pelo controle. Eles pediram que a informação fosse repetida, mas a mensagem não chega ao Cindacta-1.

Os peritos da Aeronáutica ainda não sabem o que dificultou a comunicação. Entre as hipóteses mais prováveis estão falhas nas antenas de rádio ou dos equipamentos na aeronave e, no último caso, dificuldade dos americanos em compreender o inglês dos controladores.

'Falhas de comunicação podem ter contribuído para o acidente. Também preciso saber por que os controladores não fizeram a recomendação para mudar de nível e por que motivo os pilotos do Legacy não cumpriram o plano de vôo', disse o coronel Rufino Ferreira, presidente da comissão de investigação. Segundo ele, uma série de informações serão cruzadas até que se chegue aos fatores contribuintes do acidente.

A última tentativa de contato do Legacy com o Cindacta-1 foi feita um segundo antes da colisão com o Boeing da Gol. Entre 16h54 e 16h56, hora do choque, os pilotos fizeram mais sete chamados, todos sem sucesso.

O acidente ocorreu a 37 mil pés. Embora ainda estejam em busca de mais detalhes sobre o exato ângulo da colisão, os investigadores acreditam que a asa esquerda do jato 'cortou' a asa esquerda do Boeing.

Também é certo que o sistema anticolisão das aeronaves não emitiu nenhum aviso de alerta ou instrução para ação evasiva para as tripulações. Pelos registros de voz das caixas-pretas, os peritos chegaram à conclusão de que os pilotos não viram a aproximação dos aviões. E não houve nenhuma tentativa ou manobra evasiva, tanto do Boeing quanto do jato.

NÚMEROS

35 minutos

foi tempo em que não houve nenhuma comunicação entre o Legacy e o Cindacta-1

19 vezes

foi a quantidade de chamados feitos pelos pilotos americanos na tentativa de falar com o centro de Brasília antes do choque

7 chamados

foram feitos pelo Cindacta-1 para tentar contato com jato

23 minutos

foi o tempo que o Legacy desapareceu dos radares