Título: Especialista vê falhas em relatório
Autor: Juliano Machado
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/11/2006, Metrópole, p. C4

Os controladores de vôo do centro de controle aéreo de Brasília (Cindacta-1) ficaram 19 minutos sem tentar comunicação com o jato Legacy - das 16h34 às 16h53 de 29 de setembro.

O motivo desse longo intervalo de silêncio do Cindacta-1 é o ponto central que o relatório preliminar do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) não responde, segundo a análise do coronel da reserva da Aeronáutica Gustavo Franco Ferreira, especialista em investigação de acidentes aéreos.

'Em controle de tráfego, 19 minutos são uma eternidade. Não importa se eles tinham feito seis tentativas anteriores de contato', ressalta.

Ferreira disse que há uma agravante nesse intervalo: o fato de, às 16h38, segundo o Cenipa, o Cindacta-1 ter perdido o contato do radar primário com o Legacy até a sua transferência para o centro amazônico (Cindacta-4). Na prática, isso significa que o jato se tornou um ponto fantasma na tela dos controladores, sem indicação da altitude do vôo nem de sua posição geográfica.

'Foram 15 minutos sem nenhuma informação do Legacy até o último chamado do centro de controle. É um fato inaceitável', afirmou. O coronel aponta outro problema do relatório no trecho em que se refere à comunicação entre o Boeing da Gol e o Cindacta-4. 'O texto diz que não houve perda de contato até a transferência para o centro de Brasília, mas em nenhum momento informa se o Boeing comunicou ao controle sua entrada na área do Cindacta-1.'

Ferreira disse ainda que o documento não aborda também em que posição estava o Legacy no momento da colisão. Segundo ele, os pontos da fuselagem danificados no jato - winglet e profundor esquerdos, respectivamente a ponta da asa e uma pequena 'asa' na extremidade da cauda - indicam que ele não estava em posição reta e nivelada. 'Para essas partes terem se avariado, calculo que o Legacy estivesse 45 graus à direita e 30 para baixo, fora do eixo (inclinado à direita).'

IRRESPONSABILIDADE

A ação dos controladores de Brasília antes da colisão foi criticada por pilotos ouvidos pelo Estado e que não quiseram se identificar. Um deles, aposentado no ano passado com 33 anos de profissão e mais de 15 mil horas de vôo, considerou uma 'enorme irresponsabilidade' do Cindacta-1 não ter informado que o Legacy deveria baixar de 37 mil para 36 mil pés ao passar sobre Brasília.

Segundo o relatório, o Legacy sobrevoou a capital às 15h55 e só houve perda de contato do radar secundário 7 minutos depois. 'Eles tiveram tempo suficiente para avisar o piloto que estava na contramão. Foram, no mínimo, desatentos.' O comandante, que trabalhou em várias companhias aéreas, fez diariamente a rota Brasília-Manaus nos últimos quatro anos de profissão. 'O tráfego lá é muito pequeno. Não dá para vir com a desculpa de que eles estavam sobrecarregados.'

Ele também disse que o Cindacta-1 demorou muito para pedir ao Legacy que entrasse em contato com o Cindacta-4, fornecendo duas freqüências de rádio auxiliares. Conforme o documento do Cenipa, essa comunicação só ocorreu às 16h53, quase uma hora depois de o jato passar sobre Brasília.

Outro piloto, com 15 anos de vôo, concorda que os controladores têm parcela de culpa no acidente, mas acha que o comandante do jato deveria ter seguido seu plano de vôo, mesmo sem receber comunicação do Cindacta depois de passar por Brasília.

O diretor de Segurança de Vôo do Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias (Snea), Ronaldo Jenkins, disse ontem ser impossível tirar conclusões sobre a tragédia de 29 de setembro a partir de dados isolados. 'É preciso ver o quadro total', afirmou Jenkins.

O advogado Leonardo Amarante, que representa 25 famílias de vítimas do acidente em ação indenizatória na Justiça dos Estados Unidos, afirmou que o relatório 'ajuda um pouco a corroborar nossa tese de falha de equipamentos e negligência dos pilotos do Legacy', mas considerou o documento 'pouco conclusivo'. 'É um paliativo para tentar evitar uma medida judicial que obrigue ampla divulgação das investigações.' Os advogados Theo Dias e José Carlos Dias, dos pilotos americanos, não foram localizados.