Título: A proliferação de Armas Nucleares
Autor: José Goldemberg
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/11/2006, Espaço Aberto, p. A2

Pelo Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP), de 1968, os cinco países que possuíam armas nucleares se comprometeram a adotar medidas para a eliminação, a curto prazo, destas armas e negociações que levassem, a longo prazo, a um desarmamento completo. Em contrapartida, os países que não possuíam armas nucleares abriram mão de desenvolvê-las.

Para entender a verdadeira natureza deste ¿grande acordo¿ (ou barganha) é preciso lembrar que, naquela época, a guerra fria estava no seu auge e os estoques de armas nucleares nos Estados Unidos e na União Soviética eram superiores a 10 mil ogivas em cada um dos lados. Temia-se que essa corrida armamentista levasse a um holocausto nuclear. Por essa razão, os dois grandes rivais na área decidiram que era melhor chegar a um acordo e promover um desarmamento nuclear. Parece um pouco ingênuo acreditar que as grandes potências abandonariam por completo suas armas nucleares, mas a redução drástica dos estoques era de interesse mútuo e poderia ocorrer.

O problema era como tratar os demais países. A proposta original dos Estados Unidos e da União Soviética era proibir que qualquer outro país (além das cinco potências nucleares) desenvolvesse armas nucleares. Com isso se criariam duas categorias de países: os que tinham e os que não tinham armas nucleares. Esta divisão do mundo em duas categorias permanentes foi muito mal recebida pelos países não-nucleares e surgiu o temor de que eles seriam também excluídos dos benefícios que a energia nuclear poderia trazer, já que tal tecnologia tem um caráter ¿dual¿, em que aplicações pacíficas e militares não são fáceis de separar. Além disso, ela deu às potências nucleares um status que é invejado pelos outros países. Para algumas destas nações, a posse de armas nucleares passou a ser uma questão de prestígio e afirmação da soberania nacional, o que encorajaria a proliferação nuclear.

Nas negociações que levaram ao Tratado do México se propôs a inclusão de um artigo (artigo IV) garantindo aos países não-nucleares o direito inalienável de desenvolver esse tipo de energia para fins pacíficos. Esta é a base legal que o Irã está usando para legitimar seu programa de enriquecimento de urânio.

O TNP não teve apoio de todos os países e Índia, Paquistão e Israel, que não aderiram a ele, desenvolveram armas nucleares. Brasil e Argentina só o fizeram na década de 90, após avaliarem maduramente custos e benefícios.

Além disso, vários signatários decidiram produzir armas nucleares em violação ao tratado (Iraque, Irã, Líbia e África do Sul). A Coréia do Norte, que era signatária, retirou-se do TNP em 2003 e conduziu sua primeira explosão nuclear em outubro de 2006. A justificativa usada por todos estes países é que a posse de armas nucleares garante sua integridade territorial e o seu governo, ameaçados por vizinhos hostis ou pelas grandes potências.

Na prática, os países que hoje possuem armas nucleares já são nove: Estados Unidos, Rússia, Inglaterra, China, França, Índia, Paquistão, Israel e Coréia do Norte. De acordo com o diretor-executivo da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), outros 30 países poderiam fabricá-las se o desejassem.

Como impedir que isso aconteça? Sanções econômicas contra países que violaram o TNP, como Índia, Paquistão e agora Coréia do Norte, são pouco eficazes. Contudo uma combinação de sanções com negociações que redundem em vantagens econômicas e garantia de preservação dos governos e regimes políticos vigentes pode ter sucesso, como ocorreu na África do Sul e na Líbia, que desistiram da posse de armas nucleares.

Uma das formas de fazê-lo seria colocar todas as instalações de enriquecimento de urânio em centros multinacionais sob a égide da AIEA, como foi proposto no início da era nuclear, logo após a 2ª Guerra Mundial, idéia esta que foi sepultada pela guerra fria entre os Estados Unidos e a União Soviética. Para que funcionasse adequadamente seria preciso também colocar o reprocessamento do combustível nuclear usado nesses centros multinacionais.

Mais recentemente, várias propostas de centros multinacionais foram apresentadas. A primeira delas foi feita pelo presidente Putin, de criação na Rússia de um centro internacional de enriquecimento de urânio do qual outros países seriam sócios. A segunda, pelos Estados Unidos, por meio de um grande programa que pretende provocar um ¿renascimento¿ da indústria nuclear, estagnada desde 1985. A terceira partiu dos países que enriquecem urânio hoje (Estados Unidos, Rússia, Inglaterra, França, Alemanha e Holanda), que garantiriam o suprimento dos demais sob a égide da AIEA.

Estas propostas dificilmente vão prosperar, devido a restrições que impõem à soberania nacional, e provavelmente só atrairão países ¿clientes¿ das grandes potências. Todas elas exigem que o país beneficiado abra mão do enriquecimento de urânio e existem suspeitas de que teriam como objetivo garantir um monopólio dos países que hoje exportam urânio enriquecido, impedindo que novos competidores (como a Austrália, África do Sul, Canadá e Brasil) entrem no mercado.

A proposta mais realista feita até agora é a de criar um banco de urânio enriquecido na AIEA, que seria usado nos casos em que o suprimento dos fornecedores tradicionais fosse suspenso por razões políticas. Ela não implicaria o abandono do desenvolvimento da tecnologia no país. Tal proposta está sendo negociada e talvez contribua para evitar que outros países sigam o caminho do Irã e da Coréia do Norte.