Título: Diálogo com China vai driblar direitos humanos
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/11/2006, Nacional, p. A9

O secretário especial de Direitos Humanos da Presidência, Paulo Vannuchi, desembarca hoje em Pequim para travar o primeiro diálogo entre os governos Luiz Inácio Lula da Silva e Hu Jintao sobre temas espinhosos de sua área. Em sintonia com o Itamaraty, Vannuchi deverá manter a linha do diálogo e da persuasão, em vez de condenar a aplicação indiscriminada da pena de morte e a prática de tortura no país.

'Em muitas questões sobre direitos humanos, o presidente Lula, o chanceler Celso Amorim e eu gostaríamos de ser mais agressivos e condenar essas práticas. Mas essa atitude queima canais diplomáticos. Preferimos agir em prol do convencimento', defendeu. Trata-se da mesma tolerância demonstrada pelo governo brasileiro em relação às práticas de Cuba e mesmo dos Estados Unidos - que mantêm prisões fora de seu território, onde são utilizados métodos duros de interrogatório.

Nos últimos anos, sob pressão internacional, a China deu sinais favoráveis à revisão de seu sistema penitenciário e à eliminação da tortura. A mudança de imagem da China na área de direitos humanos tornou-se quase obrigatória, assim como a busca da cooperação bilateral com diferentes países. Desde o ano passado, o governo chinês insistia na visita de Vannuchi, como um primeiro passo para selar uma futura cooperação com o Brasil.

Membro do novo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, assim como a própria China, o Brasil não esconde os graves problemas que acumula nessa área. Tampouco omite suas sucessivas abstenções nas votações de resoluções de condenação aos abusos cometidos por Pequim nessa área na antiga Comissão de Direitos Humanos da ONU e seus interesses de aproximação econômica com a China.

'Vou dizer às autoridades chinesas com toda a franqueza: infelizmente, há tortura e outros abusos aos direitos humanos todos os dias no Brasil', afirmou Vannuchi. 'Mas podemos cooperar, a partir da apresentação dos avanços que obtivemos em algumas áreas mais críticas no País, no âmbito das Nações Unidas.'

A visita de Vannuchi ocorrerá a apenas três semanas de uma mudança na legislação penal chinesa celebrada pelas organizações defensoras dos direitos humanos - a retomada do poder de rever as condenações à morte pela Suprema Corte, a partir de 1º de janeiro de 2007. A medida tentará contornar os numerosos casos comprovados de execução de inocentes determinada por instâncias jurídicas inferiores, com base em julgamentos considerados questionáveis.

Segundo a Anistia Internacional, pelo menos 1.770 pessoas foram executadas na China e outras 3.900 foram condenadas à morte em 2005. Entidades de direitos humanos crêem que parte dessas execuções fomentou uma indústria ilegal de transplante de órgãos humanos. Em março passado, o Ministério da Saúde da China proibiu a venda de órgãos.

Vannuchi está ciente desse quadro, bem como da resistente prática do infanticídio no país, sobretudo de meninas, e da existência de 1 bilhão de chineses socialmente excluídos, em uma população de 1,3 bilhão de habitantes.