Título: Kirchner ataca as 'espertalhonas'
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/10/2006, Economia, p. B4

'Pícaras' (espertalhonas) foi o termo usado pelo presidente argentino, Néstor Kirchner, para definir as empresas de gás e petróleo que não fazem os investimentos que considera necessários na Bolívia. As declarações de Kirchner, que causaram polêmica ontem na capital argentina, foram feitas na véspera, na cidade boliviana de Santa Cruz de la Sierra, onde assinou, com o presidente Evo Morales, um acordo de 20 anos de exportação de gás da Bolívia para a Argentina.

Em ostensivo apoio a Morales, Kirchner afirmou que, se as 'espertalhonas' não investirem na Bolívia, a Argentina o fará. A idéia de Kirchner é - em caso de apertos do governo de La Paz para desenvolver o setor energético - colaborar com fundos para a exploração, exportação e comercialização de gás.

Kirchner também lançou um desafio: 'se elas (as empresas) querem ir pelos caminhos da extorsão, a Argentina ajudará (os bolivianos) a consolidar suas reservas'. Kirchner foi freneticamente ovacionado pelos seguidores de Evo, que se acotovelavam no estádio Gilberto Parada.

As empresas de gás e petróleo costumam ser um dos 'sacos de pancada' preferidos do presidente argentino. Em 2005, ele convocou pessoalmente, pela TV, um boicote à Shell, que dias antes havia aumentado seus preços.

A empresa, acuada, cercada por manifestantes kirchneristas, cedeu. A Petrobrás foi pressionada por Kirchner em 2004. Ele exigia que a empresa financiasse a ampliação de um gasoduto desde a Patagônia até a Grande Buenos Aires. De quebra, ele criou a estatal de energia Enarsa, que, na prática, não saiu do papel.

A Enarsa, financiada com o generoso superávit fiscal que a Argentina conseguiu nos últimos anos, será a intermediária no financiamento de Kirchner para a Bolívia. Dessa forma, a Argentina concederá à Bolívia um crédito de US$ 400 milhões, além de assistência técnica para instalar uma fábrica de separação de líquido de gás na cidade de Tarija, na fronteira com a Argentina. A fábrica produzirá gás de botijão e gasolina comum e venderá à Argentina. Essas vendas proporcionariam aos bolsos bolivianos US$ 7,9 bilhões em 20 anos.

Além disso, Kirchner e Morales fecharam um acordo - que levou meses para ficar pronto - para o envio à Argentina de 27,7 milhões de metros cúbicos diários de gás da Bolívia nos próximos 20 anos. Antes do acordo, a Argentina comprava da Bolívia 7 milhões de metros cúbicos diários. Para Evo, o acordo tem significado estratégico de peso no médio e longo prazos, pois diminui a dependência do Brasil, para onde exporta a maior parte de sua produção.