Título: 48% desconhecem lei sobre aborto
Autor: Simone Iwasso
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/10/2006, Vida&, p. A34

Quase metade dos brasileiros não sabe em quais situações o aborto é permitido pela legislação, ou seja, em caso de gravidez decorrente de estupro ou quando oferece risco de morte para a mãe - artigos previstos no Código Penal desde 1940. Ao serem perguntados espontaneamente, 35% citaram a primeira hipótese, 17% mencionaram a segunda e 16% incluíram um terceiro item, que não está na lei, mas é permitido em alguns casos, por autorização judicial: quando o feto apresenta graves problemas. Houve ainda quem atribuísse a permissão a mães com aids (4%) ou à falta de recursos econômicos (3%).

Os dados são de uma pesquisa realizada pelo Ibope, sob encomenda da organização não-governamental Católicas pelo Direito de Decidir (CDD). Foram entrevistados em julho deste ano 2.002 homens e mulheres com mais de 16 anos, moradores de 143 municípios. O levantamento ainda vai ser publicado pela instituição.

¿Tínhamos a suspeita de que a população não conhece a legislação e que parte do aborto legal está indo para as estatísticas do aborto inseguro. Por isso, encomendamos a pesquisa¿, explica Rosângela Talib, coordenadora do trabalho, que, além do levantamento do Ibope, incluiu também uma pesquisa feita pelas próprias técnicas do CDD com hospitais credenciados para oferecer o serviço (leia na página ao lado). ¿A população tem de saber que ela tem esse direito, quais são os limites e possibilidades, inclusive para poder reivindicá-los justamente.¿

Atualmente, por uma norma técnica do Ministério da Saúde, é permitido fazer o aborto nos dois casos previstos na lei até a 20ª semana de gestação. O prazo, no entanto, pode mudar de hospital para hospital. Em alguns, o limite é a 15ª e, em outros, a 12ª semana. Uma das explicações é a complexidade do procedimento, geralmente feito com menos complicações e riscos até os três meses.

As entrevistas mostraram ainda que, mesmo entre quem soube apontar pelo menos uma das situações, 95% não conseguiram dizer onde esse aborto legal pode ser feito. Outros 5% tentaram arriscar o nome de algum hospital de sua região - nem sempre corretamente.

¿Essas respostas revelam um estar de olhos fechados para muitas informações que estão circulando por aí. O aborto é mitificado, tabu. Ninguém pode ser a favor, essa não é a questão. A questão é que devemos respeitar e garantir um direito da mulher que está na lei¿, afirma a jurista Silvia Pimentel, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e vice-presidente do Comitê da Convenção da ONU sobre Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher.

¿Existe um grande desconhecimento, mas também um avanço. A lei é de 1940, mas ficou esquecida e somente no fim dos anos 80, e mais intensamente nos anos 90, foi trazida para a área da saúde¿, explica Jefferson Drezzet, coordenador do Serviço de Atenção Integral à Mulher Vítima de Violência Sexual do Hospital Estadual Pérola Byington, um dos centros de referência ao atendimento à saúde da mulher no País.

De acordo com o médico, ainda há muitas dúvidas dos próprios profissionais de saúde. ¿Não é algo que fez parte da formação deles, e o tema desperta reações muito apaixonadas e, às vezes, irracionais, que não têm nada a ver com o ordenamento jurídico que prevê esse atendimento¿, diz.

Uma pesquisa feita no ano passado pela Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) com todos os profissionais credenciados mostrou, por exemplo, que 66% deles pensam que é necessário autorização judicial para fazer o aborto nos dois casos previstos no Código Penal. Além disso, 31% deles disseram acreditar que o aborto no caso de má-formação congênita grave, como anencefalia, estava incluído na lei.

Drezzet afirma que o desconhecimento pode ser responsável também pelos números oficiais: desde 1989, ano em que foi inaugurado o primeiro serviço de aborto legal, no Hospital Jabaquara, em São Paulo, 1.606 mulheres foram atendidas no Brasil. No Pérola, um dos centros que mais atende esses casos, no ano passado foram recebidas 110 mulheres. Dessas, 69 fizeram aborto.

Isso porque, ao chegar ao hospital, a mulher é atendida por uma equipe multidisciplinar. Primeiro, faz uma entrevista com a assistente social, depois com a psicóloga. Por fim, vai para a consulta médica.