Título: Cinco estados não fazem aborto previsto em lei
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Fonte: O Estado de São Paulo, 21/10/2006, Vida&, p. A36

Ao consultar a lista dos 62 hospitais credenciados no Ministério da Saúde para fazer aborto legal e telefonar para cada um, o grupo Católicas pelo Direito de Decidir (CDD) descobriu que somente 40 ofereciam o atendimento de fato. Além disso, em cinco Estados - Roraima, Amapá, Tocantins, Piauí e Mato Grosso do Sul - não foi localizado um único hospital que confirmasse fazer o procedimento.

É possível que alguma instituição faça o aborto legal nessas regiões, mas não consta da lista oficial. Ou seja, dificilmente será localizado. ¿Teve uma telefonista que falou: `Cruz credo, aqui a gente não faz isso¿. Isso faz com que não possamos conhecer totalmente a realidade. Outros disseram que só fazem o atendimento de emergência para violência sexual e encaminham para aborto em outro local¿, diz Rosângela Talib, da CDD. ¿Se falaram isso para a gente, imagina como recebem uma mulher que chega procurando o atendimento.¿

Os dados completam outra pesquisa, inédita, feita pela Febrasgo em parceria com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e financiada pelo Ministério da Saúde. Em uma amostragem que incluiu todos os municípios com mais de 100 mil habitantes, foram encontrados 80 serviços - a diferença entre os levantamentos ocorre porque nem todos os hospitais que oferecem aborto legal estão credenciados.

¿Encontramos um abismo entre hospitais que dizem que fazem e os que realmente fazem. De cada 5 que dizem fazer, apenas 1 faz mesmo. Eles têm medo da reação da sociedade local, de manchar sua reputação¿, afirma Aníbal Faundes, professor da Unicamp e um dos responsáveis pela pesquisa. ¿Outros dizem que ninguém vai pedir, mas ninguém pede porque eles não querem que ninguém saiba. Teve um que pediu para a gente não divulgar que fazia.¿

Mesmo assim, ele ressalta que houve um avanço. ¿Temos de pensar historicamente e lembrar que, em 1996, havia apenas 4 hospitais que faziam aborto legal, dois em São Paulo, um em Campinas e um no Rio.¿

Com isso, há uma migração para os locais tidos como referência. ¿No mês passado, atendemos uma mulher que viajou de ônibus do Piauí. Era um estupro por um familiar. Ela não encontrou onde fazer lá e ficou sabendo que aqui tinha¿, diz Irotilde Pereira, do Hospital Jabaquara, que recebe cerca de um caso do tipo por mês.

DESENCONTRO

Além da dificuldade de informação, em 30% dos hospitais ainda é exigido o boletim de ocorrência - medida que não é mais necessária segundo portaria publicada pelo ministério, apesar de existir uma recomendação do Conselho Federal de Medicina (CFM) em favor de manter o pedido, para a segurança do próprio médico.

É o caso de Goiás, onde há três hospitais que exigem o boletim de ocorrência. ¿Os médicos têm medo do processo criminal¿, afirmou o promotor público estadual Isaac Benchimol. Outra razão para a exigência é a resistência do Estado, segundo o promotor Maurício Nardini. ¿A exigência de um B.O. é absurda. O Estado já deveria ter-se enquadrado à lei¿, disse.

No Mato Grosso do Sul, a informação é que, sem autorização da Justiça, não existe atendimento para mulheres com gravidez indesejada. O governo do Estado não colocou em prática nenhum programa do gênero e as vítimas de estupros, por exemplo, precisam passar por vários órgãos públicos para conseguir o atendimento.

Segundo a diretora de Assistência à Saúde do Tocantins, Margareth Vicentini, um único centro em Palmas é preparado para atender os casos, o Hospital Maternidade Dona Regina. Não há, contudo, nenhum registro até agora. Margareth acredita que isso reflete a religiosidade da população. ¿Se a mulher é estuprada, acho que ela fica com o filho, mesmo que depois dê para adoção.¿

Representantes das secretarias de Saúde do Amapá, de Roraima e do Piauí foram procurados pelo Estado até as 20 horas de ontem mas não responderam. O Ministério da Saúde também informou que a responsável pela Área Técnica de Saúde da Mulher, indicada para comentar os dados da pesquisa, estava fora do País.