Título: 'Foi uma guerra desesperada'
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/10/2006, Internacional, p. A12

Mesmo após 50 anos, o húngaro naturalizado brasileiro Ivan Endreffy ainda recorda com precisão como ele e vários outros jovens usaram coquetéis molotov para combater os poderosos tanques soviéticos na Revolução da Hungria em 1956. 'Nós nos aproximávamos agachados por trás, por onde os tanques ficavam vulneráveis, e as fantásticas máquinas paravam de funcionar quando os coquetéis explodiam nos motores', conta com um sorriso no rosto de 69 anos.

Com o braço estendido com firmeza para baixo, Endreffy demonstra com uma garrafa na mão como a arma improvisada tinha de ser manuseada: 'Ateávamos fogo em um pavio de algodão e tínhamos de manter o braço assim para não nos queimarmos.' Impulsionado pelo idealismo de seus 19 anos, Endreffy foi um dos três líderes da Associação Revolucionários do Sul da Hungria, comandando o levante em duas cidades da região: Szeged, onde nasceu, e Mako.

Endreffy descreve a revolução como uma reação inevitável da população húngara à repressão que se seguiu depois que o país foi dominado pela URSS. 'Antes do conflito éramos um país adiantado, mas depois a população começou a passar necessidades, sentir fome.'

Sem que os húngaros conseguissem 'assimilar sua tragédia', os estudantes e operários saíram às ruas exigindo mudanças radicais no governo do chefe do Partido Comunista, Erno Gero. O governo revidou enviando a temida polícia política AVH para 'fazer o serviço sujo', mas o povo não titubeou, lembra ele. 'Com as armas que tinha, matou membros dessa polícia - alguns foram enforcados em praça pública.'

Com a reação, a próxima estratégia do governo foi convocar o Exército para combater os rebelados, mas o tiro saiu pela culatra: os militares se uniram ao povo. 'Os soldados perceberam, ao se perfilar com seus supostos inimigos, que se confrontava com seus irmãos.'

A revolução levou o reformista Imre Nagy ao poder, mas ele acabou derrubado pela intervenção das tropas soviéticas, que em menos de uma semana esmagaram a revolução, deixando mais de 2.500 mortos. 'Foi uma guerra desesperada e covarde: o Exército russo, muito organizado, contra um povo armado só com fuzis e coquetéis molotov', lamenta Endreffy. Ele foi preso, mas escapou dois meses depois - o diretor da prisão era um revolucionário ainda não substituído pelos soviéticos.

Endreffy partiu da Hungria para a Áustria sem documentos, em uma fuga de dez dias. Ficou no país por um ano, num campo de refugiados, e chegou ao Brasil em 1958, onde há 23 anos preside a Associação Brasileira de Gemologia e Mineralogia. 'Sou mais brasileiro do que você', afirma, olhando com firmeza para a repórter do Estado. 'Você está aqui por acidente. Eu, por opção.'