Título: Desaceleração dos EUA assombra o novo governo
Autor: Leandro Modé
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/10/2006, Economia, p. B3

O presidente eleito terá à frente um cenário econômico internacional repleto de nuvens carregadas, diferente daquele que vigorou nos últimos quatro anos, o melhor em três décadas. É consenso entre especialistas que o mundo vai desacelerar a partir de 2007. O que não se sabe ainda é a intensidade desse desaquecimento.

O grande responsável pelo movimento são os Estados Unidos, que respondem, sozinhos, por um quinto do Produto Interno Bruto (PIB) mundial na medição que considera a paridade do poder de compra (PPP). O país, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), sairá de uma expansão de 3,4% este ano para 2,9% em 2007. Com isso, o PIB médio do planeta, segundo o Fundo, vai crescer 4,9% no ano que vem, ante 5,1% em 2006. Os números não são tão assustadores. O problema é que os riscos de que a desaceleração americana seja maior - e jogue por terra as projeções benignas - são consideráveis.

Duas são as preocupações com os EUA: uma de ordem conjuntural e outra de ordem estrutural. No primeiro aspecto, destaca-se o comportamento do mercado imobiliário. Nos últimos anos, a valorização dos imóveis no país produziu o chamado efeito riqueza. As pessoas assumiam hipotecas para comprar um imóvel e as passavam para frente por conta da valorização da propriedade e do barateamento das taxas do financiamento. Na operação, obtinham lucro, que era destinado, em sua maioria, para o consumo.

A elevação dos juros pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano) parece estar desinflando essa bolha. A questão, agora, é saber que impacto terá no consumo e no crescimento em 2007. O economista-chefe global do banco HSBC, Stephen King, diz que esse é o grande risco para o planeta em 2007. Pessimista, ele acredita que a desaceleração do mercado imobiliário vai chacoalhar a economia dos EUA. Nas suas projeções, o PIB americano sairá de uma expansão de 3,5% este ano para 1,9% em 2007.

GÊMEOS

No médio e longo prazos, a questão americana é mais complexa, porque está relacionada aos chamados déficits gêmeos (fiscal e em conta corrente). Os dois rombos, somados, equivalem a cerca de 10% do PIB do país, ou seja, mais de US$ 1,3 trilhão. Hoje, o resto do mundo absorve esse déficit, sobretudo pela compra de títulos emitidos pelo governo americano. 'A economia mundial continua desafiando a lei da gravidade' , define o economista Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Segundo Langoni, qualquer país que tivesse desequilíbrios desse tamanho já teria enfrentado uma massiva desvalorização de sua moeda, com conseqüente pressão inflacionária, elevação de taxa de juros e, por fim, recessão. 'Se os Estados Unidos fossem um país emergente, seriam um grande candidato a um programa no FMI', brinca.

Para Langoni, o segredo dos EUA está na confiança que o mundo deposita no dólar. 'É um país com estabilidade política e ambiente de negócios atraente', explicou. Outro fator que, para ele, tem garantido as expressivas taxas de crescimento e a confiança no país é a produtividade. Segundo o professor, o índice de produtividade dos EUA saiu de uma média histórica de 1,5% para 2,5% a 3% nos últimos anos.

Até agora, como nota Langoni, tal equilíbrio tem se mantido, mas uma quebra do ciclo não está descartada. Esse risco, nas contas de Ricardo Amorim, diretor de Pesquisa Econômica e Estratégia para América Latina do Banco WestLB em Nova York, é pequeno, mas assustador. Para ele, tal cenário seria catastrófico e teria proporções semelhantes à crise de 29. 'Suas chances são de 10%', ressalta. A probabilidade maior, para ele, é de um panorama como o traçado pelo FMI.