Título: Interferência de Costa na Anatel é criticada por especialistas
Autor: Lu Aiko Otta
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/08/2006, Economia, p. B12

A forma como o ministro das Comunicações, Hélio Costa, ameaçou interferir na licitação de novas freqüências para serviços de internet banda larga sem fio (WiMAX) foi "inadequada do ponto de vista institucional". A avaliação é do economista César Mattos, pesquisador associado da Universidade de Brasília e especialista em regulação no mercado de telecomunicações. O ministro disse que ia baixar uma portaria modificando regras de uma licitação já em andamento, em mais um choque com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

A Anatel abriu o processo de licitação em 17 de julho. Uma das regras proíbe que as operadoras de telefonia fixa concorram pelas licenças de operação de internet sem fio nas áreas em que elas já atuam como prestadoras de serviços de telefonia. Ou seja, a Anatel quer impedir que a operadora ofereça serviços de banda larga com fio e sem fio na mesma área. Hélio Costa, porém discorda dessa regra e tentou, num primeiro momento, adiar a venda das licenças. A proposta foi rejeitada pela Anatel. Ele, então, ameaçou editar a portaria modificando as regras, de forma que as fixas também poderiam participar.

"Numa análise inicial, tendo a concordar com a Anatel", disse César Mattos. Segundo ele, 80% do mercado de internet banda larga no Brasil está nas mãos das três grandes operadoras de telefonia fixa: a Telefônica (Speed), a Brasil Telecom (BrTurbo) e a Telemar (Velox). "Há uma participação fortíssima das três grandes empresas regionais", disse. "Então, faz sentido restringir o acesso delas à licitação, pois dessa forma será possível estabelecer uma concorrência mais vigorosa."

Por outro lado, Mattos acha que a proposta de Hélio Costa também poderia trazer algum ganho para o consumidor. Se as operadoras de telefonia fixa participassem do leilão, a Anatel poderia obter melhores preços pelas licenças. "Como elas já dominam o mercado, talvez aceitassem até pagar mais para manter seu poder", comentou.

As operadoras de telefonia fixa dominam o mercado porque o principal meio de transmissão de internet banda larga é pelo fio de cobre das redes telefônicas. É uma realidade diferente da dos Estados Unidos, por exemplo, onde 50% do mercado desse serviço é das empresas de TV a cabo. No Brasil, a Virtua, oferecida pela TV a cabo Net, é a quarta no ranking dos serviços da banda larga.

RESPALDO Na avaliação do advogado Pedro Dutra, especialista em Direito Econômico que atua, entre outros setores, na área de telecomunicações, a interferência do ministro carece de suporte legal e pode ser contestada na Justiça. "Se o ministério quiser mudar a decisão da agência, esse será um ato de força política, sem base legal."

Hélio Costa argumentou que um parecer da Advocacia Geral da União (AGU), aprovado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em junho, daria ao ministério respaldo para revogar a decisão da Anatel. Dutra, porém, discorda: "A lei assegura independência decisória e hierárquica da Anatel. O parecer da AGU não tem força normativa contra a lei, não pode mudar a lei".

O parecer publicado em junho pela AGU envolvia um caso pontual de disputa entre a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e o Ministério dos Transportes, por causa de uma decisão da agência sobre a cobrança de taxas no Porto de Salvador. Tratava-se de uma interferência semelhante à pretendida por Costa.

Na ocasião, o Ministério dos Transportes pedia que a agência voltasse atrás em sua decisão de considerar ilegal a cobrança de taxa de entrega de contêineres que era feita por operadores do porto de Salvador a empresas que armazenam os contêineres no porto. O parecer da AGU deu ganho de causa à Antaq e manteve a posição da agência.