Título: Sanções não vão impedir bomba atômica iraniana
Autor: Max Boot
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/10/2006, Internacional, p. A26

Agora que não conseguimos impedir a transformação da Coréia do Norte em potência nuclear, é ainda mais imperativo evitar que o Irã, outro membro do 'eixo do mal', siga o mesmo caminho. Mas como? A abordagem que fracassou com Pyongyang - negociações intermináveis respaldadas por sanções leves e vozerio retórico - provavelmente não terá mais sucesso com o Irã.

A única sanção capaz de afetar verdadeiramente o regime iraniano seria um embargo a suas exportações de petróleo bruto e a importações de petróleo refinado. Mas isso exigiria um esforço internacional coordenado.

Não se animem demais. Os membros do Conselho de Segurança da ONU podem estar dispostos a aprovar resoluções condenando o Irã, mas provavelmente não vão querer pagar mais pelo petróleo para punir os mulás.

Pelo menos duas alternativas devem ser seriamente consideradas para lidar com o país: tratamentos 'brando' e 'duro' para a mudança de regime.

A linha branda seria oferecer ao Irã um grande acordo: caso eles comprovadamente suspendam o seu programa nuclear e deixem de apoiar o terrorismo - principalmente no Líbano e no Iraque -, os Estados Unidos levantariam as sanções, restabeleceriam relações diplomáticas com o país e apoiariam a sua entrada na Organização Mundial de Comércio (OMC).

Como parte desse acordo, os EUA se comprometeriam a não usar a força para derrubar o regime iraniano - mas, com certeza, não desistiríamos do apoio pacífico a democratas iranianos. De fato, estabelecendo uma embaixada em Teerã e estimulando o desenvolvimento de novos laços culturais e econômicos dos iranianos com o Ocidente, poderíamos fazer mais para promover a mudança de regime do que persistindo na tentativa de isolar os mulás.

Essa é a estratégia favorita de importantes dissidentes iranianos, como Akbar Ganji, que foi solto da prisão, no início deste ano, depois de uma greve de fome. Os liberais do país acreditam que um acordo como esse colocaria o governo do Irã na defensiva, porque a maioria dos iranianos deseja mais investimento estrangeiro e mais acesso ao mundo exterior.

Tentar essa abordagem pode valer a pena, pelo menos para marcar pontos junto ao público iraniano e a aliados de Washington. Mas um acordo do gênero dificilmente será aceito pelos dirigentes linha-dura de Teerã. Eles não querem desistir do 'Grande Satã' como bode expiatório para os males de sua sociedade. Portanto, é preciso pensar numa abordagem mais dura da mudança de regime.

Os EUA já aumentaram o volume de dinheiro que investem na promoção da democracia no Irã: foram U$ 3 milhões em 2005 e U$ 76 milhões no exercício fiscal encerrado recentemente. Para sermos sérios, teremos que gastar muito mais, e devemos considerar a possibilidade de ir além de medidas pacíficas para fomentar a mudança.

Uma invasão americana está fora de questão. Mas talvez pudéssemos fazer com o Irã o que os iranianos estão fazendo conosco no Iraque, canalizando armas e dinheiro para milícias que matam os nossos soldados.

Um fato pouco conhecido sobre o Irã é que apenas 51% da população é persa. O resto do país é formado por minorias étnicas, algumas delas bastante agitadas. Os azerbaijanos (24% da população) se amotinaram no começo deste ano, protestando contra o 'chauvinismo persa' depois de terem sido retratados como baratas numa charge de jornal. Os curdos (7%), os árabes (3%) e os baluchis (2%) têm movimentos separatistas atuantes que já realizaram atentados a bomba contra o regime.

Existem também alguns grupos de oposição espalhados por todo o espectro étnico. Trabalhadores, grupos de mulheres e estudantes fizeram manifestações pacíficas para protestar contra várias injustiças. O Mujahedin Khalq, uma seita política de esquerda, organizou ataques ao Irã nos anos 1980 e 1990 partindo de bases no Iraque. Desde a invasão do Iraque pelos EUA, as tropas americanas detiveram milhares desses ativistas. Eles poderiam ser facilmente soltos para criar problemas do outro lado da fronteira.

Essa opção tem uma série de problemas. Não está claro se, mesmo com apoio americano maciço, poderíamos mobilizar uma insurgência atuante. E, mesmo que o fizéssemos, nosso apoio poderia sair pela culatra e unir o povo iraniano em torno do seu regime.

Mas essa também seria a conseqüência provável de ataques aéreos a instalações nucleares no Irã - a única opção séria que vai restar quando a atual política da administração Bush, de negociações multilaterais fracas respaldadas por resoluções inócuas da ONU, fracassar. (Ou, melhor, quando seu fracasso não puder mais ser desmentido.)

As opções aqui esboçadas não são palatáveis para importantes círculos políticos nos Estados Unidos - os conservadores desprezam a linha branda; os liberais, a linha dura. Mas não podemos deixar que a ortodoxia política fique atravessada no caminho de impedir mais um regime delinqüente de se tornar nuclear.