Título: 'Muro é suicídio político republicano'
Autor: Ruth Costas
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/10/2006, Internacional, p. A30

A lei que permite a construção de um muro de 1.125 quilômetros na fronteira entre os E UA e o México - sancionada na quinta-feira pelo presidente George W. Bush - é o maior símbolo da crescente hostilidade em relação às populações latinas e pode fazer com que o Partido Republicano perca muitos votos nos próximos anos. Esta é a opinião da especialista em imigração Tamar Jacoby, do influente centro de pesquisas conservador Manhattan Institute.

'A lei tem uma mensagem clara que é 'os latinos não são bem-vindos'', diz a pesquisadora. Filiada ao Partido Republicano, Jacoby assinou muitos estudos usados na formulação de políticas para imigração e freqüentemente é convidada para falar sobre o assunto no Congresso americano. No ano passado, ela foi caracterizada pela revista The Economist como 'um foco de luz num debate nebuloso'.

Segundo Jacoby, com a proximidade das eleições legislativas de 7 de novembro, a ala conservadora de seu partido está pressionando por uma política agressiva em relação à imigração, acreditando, erroneamente, que tal posição poderia render dividendos eleitorais. Isso está sendo interpretado por muitos cidadãos americanos de origem latina como uma ofensa pessoal. 'Dado o peso político que a comunidade hispânica ganhará nos próximos anos, no longo prazo manter tal atitude será o suicídio político do Partido Republicano', diz Jacoby.

É quase consenso entre os analistas que o voto latino não será decisivo nestas eleições. Mas, segundo Jacoby, em dez anos o fator demográfico o transformará no fiel da balança das disputas políticas. Hoje, os 44 milhões de latinos já representam 14,8% da população dos EUA. Em 50 anos, essa porcentagem pode chegar a 25%.

Na última década, o Partido Republicano vinha se esforçando para conquistar a simpatia do eleitorado latino. O objetivo era impedir os hispânicos de seguirem o mesmo caminho dos negros, que votam majoritariamente nos democratas.

Bush gravou até propaganda eleitoral em espanhol e conseguiu arrebatar 40% do eleitorado latino nas eleições de 2004. Oito anos antes, o candidato republicano Bob Dole, disputando a presidência com o democrata Bill Clinton, não obteve nem um quarto desse apoio.

Nesse contexto, a lei que aposta na construção de uma barreira na fronteira com o México para frear a imigração ilegal será um retrocesso. Ela se soma a outras iniciativas apoiadas pela linha dura do Partido Republicano e bastante impopulares entre os latinos. Em abril e maio, milhares de pessoas protestaram em diversas cidades americanas contra uma proposta de reforma da lei de imigração que criminalizava a presença ilegal nos EUA.

Com custo previsto de US$ 6 bilhões, o projeto do muro também tem sua eficácia contestada por muitos analistas. 'Os contribuintes americanos não ficarão contentes quando o governo começar a gastar fortunas com a barreira', diz o cientista político Louis DeSipio, da Universidade da Califórnia. 'Além disso, os imigrantes acharão novos pontos vulneráveis na fronteira e outras rotas para entrar no país.'

GOVERNO MEXICANO

O Ministério das Relações Exteriores do México expressou ontem sua 'firme rejeição' à lei para a construção da barreira. Segundo a chancelaria, o projeto contraria 'o espírito de cooperação, que deveria prevalecer para garantir a segurança da região'. O presidente eleito mexicano, Felipe Calderón, comparou o muro americano ao que dividiu Berlim depois da 2ª Guerra. Estima-se que em 2005 1,2 milhão de pessoas tenham sido detidas tentando entrar nos EUA pela fronteira mexicana.