Título: África, fantasia e negócios
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Fonte: O Estado de São Paulo, 28/11/2006, Notas e Informações, p. A3

Zebras, girafas e elefantes mudaram a paisagem de Pequim, no início do mês, quando a capital chinesa se preparava, com grandes painéis de cenas africanas, para uma conferência de cúpula com participação de mais de 40 chefes de governo da África. Chineses não costumam perder tempo, quando se trata de comércio internacional. Isso parece um bom argumento a favor da primeira reunião de 12 governantes da Comunidade Sul-Americana de Nações e de 53 dirigentes de Estados da União Africana, marcada para quinta-feira em Abuja, capital da Nigéria. Os presidentes do Brasil, do Chile e do Paraguai e os chanceleres da Argentina, do Uruguai e da Colômbia devem comparecer. As discussões técnicas foram iniciadas no domingo.

Mas a semelhança entre as duas conferências de cúpula pode ser enganadora. O encontro América do Sul-África vem sendo descrito pelos organizadores como um novo passo para intensificar a cooperação Sul-Sul por meio de projetos culturais, políticos, financeiros e comerciais. Em cinco visitas a países africanos, desde 2003, essa foi a agenda proposta pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para os chineses, no entanto, a aproximação com as economias africanas é justificada por interesses de outro tipo e não tem a mínima relação com bandeiras terceiro-mundistas.

O comércio entre China e África foi multiplicado por dez entre 1995 e 2005 e chegou a US$ 42 bilhões no ano passado, nas duas mãos. A China tem importado mais petróleo angolano que saudita e está investindo em projetos de óleo e gás em Angola, Quênia e Nigéria. A África tem um valor estratégico bem definido para a economia chinesa, cada vez mais faminta de matérias-primas .

Os chineses não só financiam o comércio com os parceiros africanos. Investem muito dinheiro em rodovias, minas, portos, centrais elétricas e sistemas de telecomunicações em várias partes do continente.

Governos ocidentais protestaram contra a política chinesa, na última reunião do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, em setembro, acusando a China de impor um novo e pesado endividamento aos países beneficiados com o perdão das dívidas velhas.

Governos ocidentais também acusam os chineses de fazer negócios de forma indiscriminada com governos violadores dos direitos humanos. Mas o dinheiro chinês vem sendo recebido com aparente entusiasmo nos países da África, beneficiados tanto pelo comércio quanto pelos investimentos.

O interesse dos sul-americanos em relação à África é muito menos claro. O governo brasileiro tem mantido o discurso da cooperação Sul-Sul, mas os próprios africanos parecem dar pouca importância prática a essa conversa. Sua receptividade aos interesses da China deixa claro esse ponto. Os chineses têm sido acusados de praticar um novo tipo de colonialismo na África, mas os governos africanos não se mostram muito incomodados com isso. Rodovias, portos, centrais elétricas, novas fábricas e uma crescente receita comercial parecem mais importantes que as considerações sobre o neocolonialismo.

O comércio brasileiro com a África também tem crescido. O País vendeu aos parceiros africanos US$ 6,04 bilhões, de janeiro a outubro deste ano, 22,8% mais do que um ano antes. As importações, US$ 6,79 bilhões, foram 25,6% maiores que as de janeiro a outubro de 2005. Mas essa evolução tem resultado basicamente da iniciativa dos empresários e de uma redescoberta da parceria com os africanos. Na prática, a ação governamental não foi muito além do palavrório sobre a revisão do mapa econômico mundial.

O espírito prático do empresariado tem produzido negócios com os parceiros africanos e de outras partes do mundo - em muitos casos, apesar da política oficial, negligente em relação aos mercados mais desenvolvidos. Quanto à cooperação, tem falhado precisamente quando se trata de objetivos políticos. Os africanos votaram contra o candidato brasileiro à diretoria-geral da Organização Mundial do Comércio e têm apoiado a manutenção de barreiras européias a produtos agrícolas do Brasil. Em termos práticos, seria mais correto falar de um monólogo Sul-Sul. Para o diálogo está faltando pelo menos um interlocutor.