Título: Ortodoxos e católicos estão mais perto do entendimento
Autor: Lourival Sant'Anna
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/11/2006, Internacional, p. A12

É a terceira visita de um papa à Turquia nos últimos 40 anos. Antes de Bento XVI, que inicia hoje uma viagem de quatro dias a Ancara, Éfeso e Istambul, também Paulo VI (1967) e João Paulo II (1979) foram ao encontro dos patriarcas das comunidades ortodoxas desse país de maioria muçulmana, em nome do ecumenismo, do diálogo inter-religioso e da união entre os cristãos.

Separadas desde 1054, quando o Grande Cisma distanciou Roma dos Patriarcados de Constantinopla, Antioquia, Alexandria e Jerusalém, essas igrejas nunca estiveram tão próximas, apesar de ainda haver divergências teológicas e disciplinares. 'Os dois pontos principais que separam católicos e ortodoxos parecem doravante poder achar uma solução', afirma o teólogo Nicolas Lossky, do Instituto de Teologia Ortodoxa Saint-Serge, de Paris, no Dicionário Crítico de Teologia (Paulinas e Edições Loyola). Esses dois pontos referem-se à doutrina sobre a Santíssima Trindade e ao primado do papa.

A Igreja Ortodoxa diverge da Igreja Católica sobre a procedência do Espírito Santo e rejeita a jurisdição universal do bispo de Roma (o papa), assim como o dogma da infalibilidade. Segundo a doutrina ortodoxa (palavra derivada do grego que significa louvor ou ensinamento correto), o Espírito Santo procede do Pai, que gerou o Filho, e não do Pai e do Filho, como ensina a teologia católica.

Embora a discussão não comprometa o conceito da Santíssima Trindade (um só Deus em três pessoas), essa é uma divergência complicada nos debates entre teólogos. Tem havido, no entanto, progresso na interpretação das teses e no diálogo. Em 1965, o patriarca ecumênico Atenágoras I e o papa Paulo VI levantaram as excomunhões mútuas entre as igrejas ortodoxa e católica.

PATRIARCAS

Quanto ao segundo ponto - o primado do papa - os ortodoxos aceitam a primazia de honra, mas não a de jurisdição, não admitindo uma supremacia do bispo de Roma sobre as outras igrejas. Para os ortodoxos, todos os patriarcas, incluindo o papa, são iguais, sem autoridade de um sobre outro. 'Até a separação, havia uma pentarquia que reunia as cinco principais igrejas - Roma, Constantinopla, Alexandria, Antioquia e Jerusalém - , todas no mesmo nível', disse o padre Gregório Teodoro, da Catedral Metropolitana Ortodoxa de São Paulo, no bairro do Paraíso.

Comunidades de tradição apostólica, pois vêm da origem do cristianismo, as igrejas da pentarquia se espalharam pelo mundo. Os patriarcados ortodoxos levaram a fé cristã a outros países do Oriente Médio e à Europa Central, conquistando os povos eslavos, que acabaram tendo os seus próprios patriarcados. Surgiram também igrejas autocéfalas ou autônomas, que não estão ligadas a nenhum patriarcado tradicional e são dirigidas por arcebispos. O Patriarcado de Constantinopla, antigo nome de Istambul, tem primazia de honra entre todos.

Dos 21 concílios ecumênicos enumerados pela Igreja Católica, os ortodoxos só reconhecem os sete primeiros. O último foi o II Concílio de Nicéia, que se reuniu em 787 para discutir a iconocrastia e definiu a legitimidade do uso e do culto das imagens. Embora suas igrejas não tenham esculturas de santos, os ortodoxos veneram ícones, com belas e coloridas pinturas. É o Sínodo, colegiado de patriarcas e bispos, que canoniza os santos, e não um patriarca em particular, como faz o papa em Roma.

Com relação a Maria, os ortodoxos não aceitam o dogma da Imaculada Conceição, proclamado por Pio IX em 1854, mas admitem que ela ficou livre do pecado quando o arcanjo Gabriel lhe anunciou que seria a mãe de Deus. 'Não temos também o dogma da Assunção, mas acreditamos que, conforme ensina a tradição, Maria foi elevada ao Céu com corpo e alma', afirma o padre Gregório. Na questão do divórcio, a Igreja Ortodoxa permite a separação e novo casamento, em circunstâncias específicas.

'Não somos divorcistas, porque o ideal é o matrimônio indissolúvel, mas reconhecemos o divórcio em casos como infidelidade e erro de pessoa', informa o padre da Catedral Ortodoxa de São Paulo. Por isso, não apenas fiéis ortodoxos mas também católicos recorrem a esse templo para se casarem numa segunda união. Na preparação do matrimônio, os noivos católicos que se casam na catedral são convidados a aderir à fé ortodoxa.

O celibato é opcional. Homens casados podem ser ordenados, mas os padres já ordenados, entre os quais são escolhidos os bispos, têm de ser celibatários - ou seja, a opção pelo casamento tem de ser tomada antes da ordenação. A mesma coisa ocorre nas igrejas católicas de rito oriental, muito parecidas com a Igreja Ortodoxa também em outras tradições. Por exemplo, na liturgia, de rito bizantino, mais solene e mais cheia de símbolos.

Os ortodoxos brasileiros estão sempre ligados às igrejas trazidas pelos imigrantes -como sírios, libaneses, egípcios,russos, armênios e ucranianos . As cerimônias são celebradas em português, intercalando invocações e cânticos nas línguas de origem. 'Temos cerca de 3 mil paroquianos cadastrados na Catedral Ortodoxa de São Paulo, que pertence ao Patriarcado de Antioquia e é a sede de uma arquidiocese com jurisdição para o todo o País, onde há mais 16 paróquias', informa o padre Gregório. O arcebispo, d. Damaskinos Mansour, de nacionalidade síria, preside as missas dominicais, que começam às 10h30 (Rua Vergueiro, 1.515) . Estatísticas aproximadas indicam que os ortodoxos somam 250 milhões de fiéis no mundo, dos quais cerca de 50 mil no Brasil.