Título: Seriedade escassa
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Fonte: O Estado de São Paulo, 06/09/2006, Notas e Informações, p. A3

Os contribuintes têm fortes motivos para desconfiar da seriedade do processo de montagem e discussão do Orçamento da União para 2007. Uma peça essencial do processo, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), ainda não foi votada pelo Congresso. E, por meio de artifícios estatísticos, o Executivo vem passando por cima de regras que antes considerava essenciais para manter as finanças públicas no rumo do equilíbrio estrutural, e propõe um perigoso afrouxamento da política fiscal em 2007.

O ministro responsável por esse processo, Paulo Bernardo, do Planejamento, tem tido um comportamento errático. Bernardo, como mostrou ontem o Estado, admite que será necessário propor uma reforma fiscal logo no início dos trabalhos da próxima legislatura, qualquer que seja o presidente eleito, para que os gastos públicos aumentem num ritmo inferior ao crescimento do PIB. Só assim, diz ele, será possível indicar para os investidores que o País caminha para o equilíbrio fiscal de longo prazo, o que, de sua parte, permitirá a queda mais rápida dos juros.

Mas causam grande preocupação os números da proposta do Orçamento-Geral da União para o próximo ano, elaborada sob sua responsabilidade. Trata-se de uma peça baseada em projeções para o desempenho da economia cujo excessivo otimismo se confunde com irresponsabilidade. Para não deixar tão evidente que os gastos correntes do governo crescerão muito, a proposta orçamentária projeta o crescimento de 4,75% do PIB em 2007.

Diante do aumento de apenas 0,5% do PIB no segundo trimestre e das projeções feitas por instituições privadas e até por economistas do governo para o crescimento da economia neste ano, de no máximo 3,5%, a projeção contida na proposta orçamentária é irreal. O irrealismo fica ainda mais nítido quando se leva em conta o baixo nível de investimentos constatado pelo IBGE e a pouca disposição do empresariado de investir nos próximos meses captada por pesquisas de instituições privadas.

Mesmo com essa projeção exageradamente otimista, as despesas correntes primárias do governo (que não levam em conta os gastos com juros da dívida) passarão dos previstos 18,3% do PIB neste ano para 18,5% em 2007. Quanto menos crescer o PIB, mantidos os gastos propostos, maior será a fatia das despesas correntes.

No projeto da LDO para 2007, o governo se comprometeu a reduzir em 0,1% do PIB as despesas correntes no próximo ano e mais 0,1% em 2008. Na véspera de enviar a proposta de Orçamento-Geral da União ao Congresso, indagado sobre esse compromisso contido na proposta da LDO e que estaria sendo abandonado, o ministro do Planejamento reagiu com ironia: "Que LDO?"

O projeto da LDO deveria ter sido aprovado antes do início do recesso parlamentar do meio do ano, mas ainda aguarda votação. Na versão original, o redutor de 0,1% se aplicaria sobre o total de despesas correntes, excluídas as transferências constitucionais para Estados e municípios e os gastos com a correção determinada pela Justiça dos saldos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). O texto aprovado pela Comissão Mista do Orçamento do Congresso torna mais flexível essa regra, o que facilitou a montagem da proposta de Orçamento para 2007. Além do mais, como a LDO ainda não foi aprovada, pode-se, como faz o ministro, questionar sua regras.

Chegou-se, assim, a uma situação absurda, na qual a proposta orçamentária é montada e proposta ao Congresso sem que se conheçam as diretrizes que, por lei, devem ser seguidas na sua elaboração. Desse modo, por mais estranho que pareça, o ministro que responde legalmente pela tarefa de montar a proposta orçamentária pode garantir, como fez Paulo Bernardo a este jornal, que tudo o que foi proposto terá de ser refeito, "várias vezes".

Diante da maneira pouco confiável como o Executivo - com a conivência e a colaboração de boa parte do Congresso - trata o Orçamento, o contribuinte tem motivos para duvidar da promessa do ministro de que a política fiscal de 2007 será marcada pela austeridade, se o presidente for reeleito.

Nesse processo, seriedade e respeito ao contribuinte são bens muito mais escassos do que o dinheiro para os gastos públicos.