Título: Pressão dos bancos esvazia pacote do governo para reduzir spread
Autor: Fabio Graner, Gustavo Freire
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/09/2006, Economia, p. B1

Desidratado pela pressão dos bancos, o conjunto de medidas para tentar baixar o custo do crédito ao consumidor foi finalmente anunciado pelo governo, mas não terá resultados práticos no curto prazo. Recebido com reticências pelo mercado, o pacote permite que os clientes possam transferir para outros bancos o salário, as dívidas e o cadastro de crédito.

O pacote também cria o cadastro positivo, que, pressupõe o governo, será o cartão de visitas para a conquista de financiamentos a custos mais baixos. As medidas anunciadas ontem pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, só vão surtir o efeito desejado - a redução dos custos dos empréstimos - se os bancos públicos e privados se engajarem no projeto do governo.

A primeira resposta veio de um banco público. A Caixa Econômica Federal anunciou ontem à noite a redução do juro do crédito comercial - beneficiando, no primeiro momento, as empresas - e dos financiamentos para pessoa física. O pacote de Mantega ficou um pouco menor do que ele pretendia. As medidas mais importantes para a classe média - a portabilidade do crédito consignado e do crédito imobiliário, com a redução dos juros para o financiamento da casa própria - não têm consenso e serão anunciadas "em um segundo momento", possivelmente na próxima semana.

"As medidas têm o objetivo de reduzir o custo das operações financeiras no País, os spreads (que compõem a taxa de juros para o consumidor) bancários, por meio do aumento da concorrência entre as instituições financeiras", afirmou Mantega, ao anunciar as medidas, adotadas em reunião extraordinária do Conselho Monetário Nacional (CMN). "Elas são importantes para elevar o crédito no Brasil, aumentar o investimento e a capacidade de crescimento da economia", disse ele, entusiasmado.

Mantega negou que o governo tenha cedido à pressão dos bancos e reduzido a amplitude das medidas. As duas principais reivindicações dos bancos - redução do compulsório e da carga tributária - vão ficar, segundo Mantega, para outro momento. Ele acredita ser possível que, mesmo sem essas medidas, é possível reduzir o spread, que corresponde hoje a cerca de 34% do custo do crédito.

A portabilidade dos salários ( livre transferência para outro banco) será adotada a partir de 1º de janeiro de 2007. Os bancos serão obrigados a abrir contas salário, por onde os trabalhadores receberão seus vencimentos. Por essa conta, eles poderão transferir, sem custo, o dinheiro para uma conta no banco que escolherem.

"É uma medida revolucionária, que vai acabar com o monopólio dos bancos e dar flexibilidade ao assalariado. Ele vai ser dono do seu nariz", afirmou Mantega. O presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, disse que a transferência do salário será automática. " Esse comando será dado uma só vez pelo cliente", disse Meirelles.

No período de setembro a dezembro, a criação da conta salário é facultativa. Os bancos que já tiverem condições de operar dessa forma poderão fazê-lo. Os que não o fizerem terão de adaptar os sistemas operacionais até o fim do ano para promoverem a migração em janeiro. O CMN, no entanto, não equacionou o problema que será criado para empresas, órgãos públicos e bancos que mantêm contratos para o pagamento de seus funcionários. O BC vai editar uma norma específica para tratar desses casos, embora Meirelles tenha dito que a obrigatoriedade de abertura da conta salário valerá para todos em algum momento, que será definido.

A segunda medida - portabilidade do crédito, que permitirá aos clientes mudarem suas dívidas para o banco que oferecer juros menores - será adotada por meio de medida provisória com a isenção de CPMF e IOF nessas operações. A transferência da dívida exigirá a quitação antecipada do débito, com a aplicação de uma tarifa reduzida progressivamente, dependendo do prazo do empréstimo.

Meirelles explicou que a tarifa, bem como a taxa de juros dois empréstimos, deve estar explicitada nos contratos a partir de agora. A portabilidade vale também para os contratos antigos, de forma desburocratizada, segundo Mantega.

Segundo ele, o cadastro positivo vai reunir informações de crédito e todo o histórico de pagamentos dos clientes.