Título: A crise do sistema prisional
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/09/2006, Notas e Informações, p. A3

A crise do sistema penitenciário estadual é maior do que se imaginava. Além de registrar um déficit de 32 mil vagas, ele também enfrenta graves problemas administrativos e financeiros. A inépcia gerencial e a falta de recursos são tão grandes que as autoridades carcerárias há cinco anos não atualizam o cadastro dos presos que se encontram em liberdade condicional.

De 2001 até hoje, cerca de 55 mil condenados foram autorizados pela Justiça criminal a cumprir parte de sua pena em liberdade. Em princípio, cada um deles deveria ser acompanhado pelo Conselho Penitenciário, o órgão responsável por esse trabalho que é vinculado à Secretaria da Administração Penitenciária. No entanto, por falta de recursos financeiros e humanos, o Conselho não tem condições de acompanhar a trajetória desses condenados, para verificar se estão tendo bom comportamento.

A única forma de controle do poder público é o carimbo mensal numa caderneta, onde constam as informações judiciais de cada sentenciado. Essa caderneta, devidamente atualizada, é o documento legal que permite ao preso em liberdade condicional exercer o direito de ir-e-vir. Mas, como o Conselho Penitenciário não tem como ir atrás dos sentenciados, estes é que têm de procurá-lo mensalmente, para obter o carimbo.

Isso dá a medida do descompasso entre a teoria e a prática. Integrado por 30 profissionais de várias áreas do conhecimento, como direito, medicina, psicologia e assistência social, o Conselho Penitenciário é um órgão consultivo que foi criado em 1926 para oferecer pareceres e laudos técnicos à Justiça criminal, ajudando com isso na ressocialização dos presos. A idéia era envolver a comunidade na execução das penas. Os juízes das varas de execuções não estão adstritos aos pareceres dos conselheiros. Todavia, não podem decidir sem levá-los em conta. Quando um conselheiro é favorável à concessão de liberdade condicional e o juiz encarregado do caso indefere a concessão desse benefício, o parecer se converte na peça fundamental para que o preso possa impetrar um recurso

Mas, apesar da importância de suas funções tanto no plano social quanto no âmbito da segurança pública, o Conselho Penitenciário somente funciona na capital. Por isso, os sentenciados com liberdade condicional que vivem no interior têm, todos os meses, de procurar o fórum da comarca onde foram condenados para ter sua caderneta devidamente carimbada, como determina a lei. Muitos deles, porém, passaram a viver em outras cidades e nem sempre podem faltar no emprego ou têm recursos para fazer uma viagem mensal.

Além de não ter subsedes nas regiões administrativas do Estado, o Conselho Penitenciário não conta com o endereço dos beneficiados por liberdade condicional, não tem como verificar se a declaração de trabalho por eles apresentada mensalmente é verdadeira ou falsa, não oferece um sistema de apoio social aos egressos do sistema penitenciário e não conhece as condições em que vivem, se são solteiros ou casados, ou se têm filhos e se foram reintegrados ao convívio social ou se voltaram a praticar crimes. Como pode um órgão dessa importância, cujo papel é recomendado enfaticamente por organismos multilaterais dos quais o País faz parte, desempenhar as funções que lhe foram atribuídas?

Desde o advento do PCC e da primeira rebelião simultânea por ele deflagrada em várias penitenciárias, há cinco anos, juristas, entidades de classe e movimentos sociais pedem o aumento das penas alternativas como estratégia para aliviar a superlotação do sistema prisional. No último fim de semana, os bispos paulistas divulgaram um documento no qual denunciam as condições desumanas das cadeias e defendem penas alternativas para os autores de pequenos delitos. Contudo, os juízes criminais continuam bastante céticos sobre o alcance dessa iniciativa. O ceticismo é fundado, pois, se o Estado não consegue cadastrar 55 mil presos em liberdade condicional, como poderá fiscalizar e controlar de modo minimamente eficiente as dezenas de milhares de sentenciados que seriam beneficiados por penas alternativas?