Título: Fuga de investimentos tira US$ 20 bilhões dos emergentes
Autor: Patrícia Campos Mello
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/08/2006, Economia, p. B1

Em abril daquele ano, as reservas brasileiras estavam em US$ 74 bilhões. No fim de agosto, já haviam caído para US$ 66 bilhões. Em setembro, quando a crise se aprofundou, as reservas fecharam em US$ 45 bilhões. Isso apesar de, na primeira semana de agosto, com a entrada de recursos para pagar as empresas compradas no leilão do Sistema Telebrás, o País ter conseguido recuperar o nível de abril, de US$ 74 bilhões. Em 50 dias, as reservas brasileiras diminuíram em quase US$ 30 bilhões. A privatização da Telebrás ocorreu em 29 de julho.

As taxas de juros do overnight foram elevadas de 20% ao ano para 40%. Mesmo assim, o Brasil ainda perdia de US$ 300 milhões a US$ 400 milhões por dia entre o fim de setembro e o começo de outubro. A saída encontrada pelo governo foi preparar um ajuste fiscal expressivo e fechar um pacote de ajuda externa, como havia feito a Coréia no ano anterior. No começo de 1999, o real foi desvalorizado.

Na turbulência que varreu os mercados em maio e junho, os países emergentes perderam US$ 20 bilhões em investimentos estrangeiros em portfólio (títulos, ações e outros papéis). A fuga de dólares superou até a sangria da crise asiática, em 1997, que causou quebradeira entre os emergentes.

Desta vez, os países em desenvolvimento resistiram bem à aversão a risco dos investidores estrangeiros. O Brasil, segundo levantamento da consultoria americana Credit Sights, foi um dos menos afetados. O País perdeu apenas US$ 776 milhões, enquanto a Turquia teve saída de US$ 4,42 bilhões, a Coréia, de US$ 6,215 bilhões, e a Polônia, de US$ 2,07 bilhões.

Segundo Christian Stracke, estrategista de mercados emergentes da Credit Sights, o Brasil resistiu bem à crise de maio e junho porque vem acumulando grandes superávits em conta corrente e não tem um grande passivo em dólar.

"O volume reduzido de dinheiro especulativo que o Brasil recebeu recentemente tornou o País menos vulnerável ao contágio."

Nas últimas semanas, diz Stracke, o fluxo de capital está voltando com força, mesmo para os países mais afetados pela onda de vendas, como Turquia, África do Sul e Hungria. "Eu acho que não haverá uma outra onda de vendas até o final do ano; a próxima crise, só em 2007", diz.

E o Brasil estará preparado? "O real está supervalorizado e, julgando pelos dados recentes de produção industrial, isso está se tornando um problema sério; mas, enquanto a balança comercial mantiver um superávit tão grande, será difícil especular contra a moeda", diz o economista.

"No ano que vem, porém, quando o saldo em conta corrente estiver próximo de déficit, e o estoque de capitais especulativos no Brasil for maior, o País pode estar vulnerável ao contágio de uma nova onda de vendas nos emergentes."

FLUXOS

O primeiro trimestre deste ano teve fluxo líquido de US$ 41,4 bilhões para os países emergentes, entre os valores mais altos dos últimos 12 anos. Em contraste, o segundo trimestre só perdeu em saída líquida de capital para o terceiro trimestre de 1998, em plena crise da Rússia. Stracke explica que os dados são estimados, já que, dos 25 países acompanhados pela consultoria, apenas seis (que estão entre os principais) divulgaram dados.

Apesar de ter sido uma fuga de capital nos moldes da crise russa, a maioria dos países em desenvolvimento se mostrou blindada diante da debandada de estrangeiros de maio e junho. A acumulação de reservas pelos bancos centrais foi uma das armas mais importantes. Alguns foram atingidos com mais força, como a Turquia, África do Sul e Hungria. Mesmo assim, as melhoras nos fundamentos de muitos países ajudaram a evitar que as conseqüências dessa crise fossem piores, diz o economista.

"Mas o fato de a liquidez global ainda estar favorável também foi importante para amortecer o choque", enfatiza Stracke. Na opinião dele, seria necessário um aumento substancial na inflação dos países ricos, que forçaria o Fed e o Banco Central Europeu a elevar as taxas de juros mais do que o esperado, ou uma desaceleração mais radical da economia mundial, para haver efeitos graves nos emergentes.

"Ainda não estamos no ponto de uma virada no ciclo de liquidez", diz Stracke. "A política monetária nos EUA ainda está muito longe de ser restritiva e no Japão e na Zona do Euro ainda é acomodativa."

De acordo com o economista, uma combinação de fatores tornou os emergentes mais resistentes a choques do que eram em 1997. Em primeiro lugar, os investimentos de portfólio, medidos como porcentagem das reservas dos bancos centrais dos emergentes, é bem menor hoje do que era em 1997. Por isso, as saídas de dinheiro especulativo são menos perigosas. Além disso, há uma diferença no perfil dos investimentos em portfólio.

Há mais dinheiro aplicado em ações do que em títulos de dívida. Nas aplicações em dívida, os investidores estão optando por papéis de longo prazo ou denominados em moeda local, o que torna muito mais fácil se adaptar à saídas de capital.

"Mas é importante frisar a importância da política monetária acomodativa dos bancos centrais de países ricos", diz Stracke. Em 1997, a remuneração dos títulos do Tesouro americano de dez anos era de 6,5%, 150 pontos base acima do retorno de hoje. A remuneração de títulos de longo prazo do Japão e da Alemanha também estava bem acima da atual.

Como as remunerações estão historicamente baixas, a demanda por retorno continua muito alta. Por isso se mantém o interesse dos estrangeiros por papéis de emergentes.