Título: Iniciativa privada na integração continental
Autor: Agnaldo Brito
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/08/2006, Economia, p. B6

Sem anúncios mirabolantes de governos e com forte apoio do setor privado, o Cone Sul terá em 2010 o primeiro corredor bioceânico com infra-estrutura ferroviária e rodoviária interligando o Atlântico e o Pacífico. Hoje, o único corredor em operação para essa ligação é o Canal do Panamá. O do Cone Sul, feito sob chão firme, será uma alternativa para os exportadores. No miolo da América do Sul, produtos industriais e primários aguardam corredores eficazes para terem condições de vencer as distâncias com custos menores.

O conjunto de obras do corredor faz parte do pacote de 31 empreendimentos apoiados - com dinheiro e organização - pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O pacote foi negociado numa agenda de consenso fechada entre os 12 países sul-americanos dentro da Iniciativa de Integração Regional Sul-Americana (Iirsa).

O corredor bioceânico é o projeto âncora das obras previstas na iniciativa para a formação do chamado Eixo Mercosul-Chile, um entre os 10 eixos criados para organizar os 348 projetos de integração física pensados por toda a América do Sul.

O investimento dos setores público e privado para implantar os sete projetos previstos para formação do primeiro corretor bioceânico sul-americano serão de US$ 2,895 bilhões, 45,2% do gasto total previsto nos próximos quatro anos para a conclusão da carteira de 31 empreendimentos prioritários.

Segundo Joaquim Levy, ex-secretário do Tesouro do Ministério da Fazenda e atual vice-presidente de Finanças e Administração do BID, a construção de uma ligação bioceânica será possível apenas com o apoio das obras de duplicação da BR 101 (no trecho Palhoça (SC) e Osório (RS), da Rota 14 na Argentina e a construção de uma ponte no Uruguai, além de obras entre o Chile e a parte Ocidental da Argentina.

Mas não é apenas a ligação rodoviária que está muito próxima de ocorrer. A conexão ferroviária está até mais adiantada e requer apenas a execução do projeto de ligação de Mendoza, na Argentina, a Los Andes, no Chile, para permitir praticamente o trânsito interoceânico por trem.

A América Latina Logística (ALL), controlada pelo Grupo GP, já organiza um corredor bioceânico misto na região, com suporte do transporte rodoviário. Mas, com a aquisição dos ativos da Brasil Ferrovias e Novoeste, operadoras ferroviárias que interligam o Centro-Oeste brasileiro ao Porto de Santos, a ALL terá reforçada a condição de maior malha brasileira, além de alcançar grande parte do território argentino.

A empresa chega a Mendoza. Com obras privadas de ligação de Mendoza a Los Andes estará também criado o corretor bioceânico no eixo Mercosul-Chile.

EXECUÇÃO

Para assegurar a conclusão do pacote de obras, o BID vai contar com a ajuda da tecnologia da informação. A direção da instituição multilateral apresentou na semana passada na sede do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) uma ferramenta que dará em tempo real todas as informações sobre o andamento dos empreendimentos.

"Se houver algum atraso ou algum problema de execução, o gerente local do projeto poderá informar por meio do sistema. Os responsáveis saberão o que ocorre e terão condições de tomar as providências para que o cronograma de obras não seja afetado", diz Mauro Marcondes, funcionário do BID e coordenador da Iirsa. O encontro no BNDES serviu para explicar aos coordenadores nacionais como isso vai funcionar.

Se for bem-sucedido, o modelo poderá servir de base para outros projetos e empreendimentos na região. Além do sistema, batizado de Sige (Sistema de Informação para Gestão Estratégica), a partir do qual todos os países poderão acompanhar o andamento das obras, o BID se lança nos próximos anos em outras três iniciativas consideradas importantes para se alcançar um maior nível de integração física regional. A Iirsa, desde a criação por iniciativa dos governos em 2000, tem uma carteira de mais de 300 projetos em toda a América do Sul.

Segundo Marcondes, o BID quer mais envolvimento da sociedade civil, buscar mais hegemonia de regulação em negócios como energia e telecomunicações e, principalmente, medir o impacto econômico do pacote de empreendimentos considerados prioritários neste momento.

Com isso, o BID espera mostrar, com números, a relevância da integração física da América do Sul. O modelo piloto para mensuração dos impactos dos 31 projetos prioritários deverá ser mostrado ainda este ano.

"A execução de obras que criam finalmente um corredor bioceânico na América do Sul produz efeitos econômicos muito fortes em regiões distantes dos grandes centros, onde o desenvolvimento não chegou. Ainda não sabemos exatamente os impactos, mas isso será demonstrado em breve", diz Levy. Segundo o coordenador da Iirsa, ainda neste semestre.