Título: Negociações e escassez de propostas
Autor: Aldo Fornazieri
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/11/2006, Espaço Aberto, p. A2

Em qualquer democracia séria, as urnas definem as posições que os atores políticos e partidários devem ocupar: cabe a uns exercer o governo e a outros fazer oposição. Negociações entre governo e oposição são normais nas democracias. Até mesmo no bipartidarismo norte-americano, o republicano Bush terá de negociar com a maioria democrata no Congresso. O local apropriado para as negociações sempre foi o Congresso, por intermédio das lideranças parlamentares. Se num sistema bipolar, como é o sistema partidário norte-americano, a negociação é necessária, imagine-se quanto ela o é num sistema fragmentado, como é o brasileiro.

A confusa democracia brasileira não tem procedimentos nem regras consuetudinárias de conduta política. Não há método. Os atores políticos e partidários se situam em zonas cinzentas de propostas, de posturas e de condutas. Aquilo que defendem hoje negam amanhã. Não se trata da boa astúcia política, inerente ao lado raposa que todo bom político deve ter. Trata-se da má esperteza, da falta de compromisso e de responsabilidade, da falta de definições estratégicas e da falta de método. Agir confusamente, criando confusões, é o modo próprio de ser dos políticos brasileiros.

O presidente Lula, ao descobrir, depois de reeleito, que não tem programa nem agenda, lançou a tese da negociação de uma agenda de desenvolvimento para o País. A oposição, derrotada nas urnas de forma mais ou menos humilhante, ao descobrir que precisa restaurar sua credibilidade e buscar um sentido, percebe a necessidade de negociar, mas se vê sem o que negociar, já que também não apresentou um programa para o País na campanha eleitoral.

O PT diz querer o desenvolvimento para dizer que quer cargos. Não consegue dizer nem como, nem quanto, nem quando, sobre o desenvolvimento. No primeiro mandato, petistas de proa, alguns no governo, se esmeraram na crítica aos juros, ao ajuste fiscal e ao câmbio para exigirem o crescimento. Mas se fartaram eleitoralmente com a inflação baixa, com a queda do risco Brasil e com a melhoria do ambiente econômico, frutos alcançados pela política monetária e fiscal.

Muitos petistas persistem naquela velha atitude, identificada por Sérgio Buarque de Holanda: querem colher o fruto sem plantar a árvore. Querem os benefícios do crescimento sem os custos da estabilidade. Aliás, não há nem estabilidade nem crescimento sustentado sem custos. Não dá para querer estabilidade sem responsabilidade fiscal, sem políticas monetárias adequadas. Não dá para querer crescimento sem gestão dos gastos, corte dos desperdícios, focalização de prioridades.

O PMDB, que se saiu bem das urnas, também discursa em nome da governabilidade para dizer que quer cargos. Nem PT nem PMDB conseguem apresentar agendas de governabilidade ou pautas concretas. Seria adequado que dissessem antes o que pretendem fazer para depois designar quem irá fazer. Assim, na mesma medida em que alguns políticos percebem um Lula solitário, a opinião pública percebe um País e um governo sem agenda. Como Lula saiu vencedor das urnas e é o sujeito proponente da negociação, cabe a ele, e ao seu governo, a responsabilidade de dizer o que quer negociar. Para dizer o que quer negociar é preciso saber o que quer e como quer, enquanto governo. A oposição também precisa ter os pontos de sua agenda definidos.

Sem este pressuposto, o de saber o que os agentes querem, não haveria negociação. Haveria apenas conversas para medir se seria possível construir uma agenda de consensos. Tratar-se-ia de uma declarada falência da política. A política, numa de suas acepções estritas, implica capacidade de direção. Não existe direção sem sentido e sem conteúdo. Por mais perplexidade que isto possa causar, é preciso constatar que os partidos e os políticos estão sem sentido e sem conteúdo. Por isso não conseguem dirigir.

Em face desta nudez dos partidos e dos políticos, a proposta de negociação é pertinente. Uma parte da oposição quer negociar, outra parte sugere que se trata apenas de uma manobra do governo. Se a proposta de negociação for apenas uma esperteza ou uma cortina de fumaça, isso se revelará no decurso do processo e se traduzirá numa derrota política para o governo. Até por esta razão, mas não só por ela, a oposição deve dispor-se a negociar.

A negociação deve-se fundar, por parte de ambos os lados, em propósitos sinceros e na busca do bem público. Na negociação, nem o governo deve dissolver sua fisionomia num movimento de cooptação para construir uma arca de Noé de apoios nem a oposição deve dissolver sua personalidade política nas facilidades governamentais.

A negociação não pode resvalar também para o supérfluo e o alegórico, a exemplo da proposta de criação de um conselho de ex-presidentes da República. Não serão estes conselhos que conferirão eficiência aos governos e método aos partidos. Não se trata, também, de criar pactos ou concertações, pois o Brasil não está saindo nem de uma guerra nem de uma ditadura.

A negociação, para que possa ganhar relevância e alguma exeqüibilidade, deve pautar-se em pontos concretos. Há, hoje, um problema de fundo que não será resolvido pela negociação: a renovação do modelo econômico, que apresenta sinais de esgotamento. A negociação pode pontuar tarefas capazes de resolver alguns gargalos, como a infra-estrutura, os investimentos e a prioridade à educação no ensino médio e profissionalizante. A busca de um modelo econômico capaz de combinar estabilidade, crescimento e inclusão social continuará sendo o maior desafio dos governantes e dos políticos.