Título: A guerra entre Teles e Tvs
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/11/2006, Notas e Informações, p. A3

A evolução tecnológica tem levado à convergência de serviços de telecomunicações, informática, radiodifusão e de todas as formas de comunicação eletrônica, tais como a TV por assinatura e multimídia. O exemplo mais dramático dessa convergência é a internet, que, em apenas 15 anos, passou a interconectar mais de 1 bilhão de seres humanos, 25 milhões dos quais no Brasil.

Comecemos pelo fenômeno da mobilidade, com a telefonia celular, que permite, no mesmo aparelho, o acesso à internet em alta velocidade, fotos e vídeos digitais, localização por sistema de satélites (GPS), recepção de notícias e mensagens escritas, de programas de rádio e TV, entre dezenas de aplicações.

Diferentemente do passado, as infra-estruturas digitais de hoje se unificam e se fundem. Em breve, o Brasil e o mundo verão uma nova forma de televisão, a IPTV, que será levada a milhões de lares via internet de banda larga, por vários caminhos, seja por redes sem fio, sobre linhas telefônicas ou via satélite. Quem ousará impedi-la?

Com tantas mudanças, eram facilmente previsíveis os conflitos de interesses a que assistimos hoje, entre operadoras de telecomunicações e emissoras de TV aberta ou por assinatura, além de outros que virão.

O exemplo mais atual é o da compra pela Telefônica de participação no capital da TVA. Curiosamente, esse negócio produz muito mais ruído e controvérsias do que produziu a entrada do grupo mexicano Telmex - dono da Embratel e da Claro - no capital da NET, empresa de TV por assinatura com participação majoritária no mercado.

As duas aquisições de participações - a da Telefônica na TVA e a da Embratel na NET - são quase idênticas. No entanto, a Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA), que aceitou em silêncio a primeira compra, condena a segunda, a da TVA pela Telefônica, tomando partido contra uma empresa associada em defesa de outra muito maior.

Outra reação ruidosa ocorre ante a decisão da Telefônica - de prestar serviços de TV via satélite do tipo DTH (direct-to-home) -, associada a uma pequena operadora, a Astralsat, em um negócio não apenas legal, mas benéfico aos usuários. Como o Estado tem mostrado, um dos focos desses problemas é a legislação brasileira de Comunicações, verdadeira colcha de retalhos. A parte moderna inclui a Lei Geral de Telecomunicações, de 1997, e a Lei do Cabo, de 1995, enquanto a parte obsoleta é formada por um capítulo do velho Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962, e decretos da ditadura na área de Radiodifusão.

Nesse quadro institucional, a cada conflito de interesses, o ministro das Comunicações, Hélio Costa, e um conselheiro da Anatel, Pedro Jaime Ziller, propõem remendos na legislação, para atender a interesses dominantes no mercado de comunicação eletrônica, ameaçando com mudanças casuísticas da legislação, num claro retrocesso institucional.

O pior nessa crise é que o governo não age em defesa do usuário, mas, sim, em função das pressões das emissoras de TV - de quem o ministro Hélio Costa se diz fiel representante.

Não é esta a posição que a Nação espera de seus governantes. Muito além de optar entre as Teles e as TVs, o presidente Lula e o ministro Hélio Costa têm que assumir posições de defesa da sociedade. Como? Criando condições para a maior oferta de serviços, com muito mais competição e, conseqüentemente, por menores preços.

Ora, se a tecnologia permite hoje que a mesma empresa preste, sobre uma única infra-estrutura, os mais diversos tipos de serviços - como telefonia, TV por assinatura, acesso de alta velocidade à internet, serviços de banda larga com fio ou sem fio e outros -, o verdadeiro caminho deveria ser o estímulo às parcerias, às associações e fusões entre empresas de comunicação eletrônica (rádio, TV aberta e TV por assinatura) e concessionárias de telecomunicações de modo a beneficiar o maior número de usuários.

É claro que regras de transição podem e devem ser fixadas, com a vigilância permanente do Cade e da Anatel para evitar possíveis desequilíbrios de mercado e práticas anticompetitivas.

O que não se pode é fincar pé na defesa de um modelo que, embora em vigor há 40 ou 50 anos, está hoje totalmente obsoleto e só pode ser mantido pela submissão do governo ao poder dos lobbies.