Título: Diferença salarial rende R$ 666 mil em AL
Autor: Mariângela Gallucci e Sérgio Gobetti
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/11/2006, Nacional, p. A5

R$ 666 mil é quanto recebeu um único desembargador de Justiça a título de 'diferenças salariais'. Washington Luiz Damasceno Freitas, de Piranhas, sertão de Alagoas, é corregedor-geral do Tribunal de Justiça do Estado. Damasceno, de 48 anos, ex-vereador e ex-deputado, foi contemplado com a soma por decisão dele próprio, quando exercia o cargo de presidente do TJ alagoano, em 2004.

O caso chegou ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que tem a missão de punir abusos e desleixos da toga, também a malversação de recursos dos tribunais. O CNJ abriu investigação para descobrir como o desembargador foi merecedor de tanto. Qual a base de cálculos e quais os índices de correção aplicados à conta que somou exatamente R$ 666.587,53.

A representação ao CNJ foi apresentada por Antônio Sapucaia da Silva, um dos 11 desembargadores do TJ de Alagoas. O ponto central da apuração é o fato de Damasceno ter autorizado a liberação de parte da verba quando ocupava o cargo máximo na corte. Outro detalhe é que mais da metade da bolada não teria relação com o Judiciário, dinheiro de uma época em que ele ainda não era juiz.

Juiz de carreira Damasceno não é. Chegou ao TJ por força do quinto constitucional - mecanismo que garante 20% das vagas dos tribunais a procuradores do Ministério Público e à OAB. Foi professor e advogado. Em 1982 ingressou em primeiro lugar no concurso para promotor do Ministério Público Estadual.

Em 1988 tornou-se presidente do Diretório Municipal do PMDB de Piranhas, onde foi vereador e presidente da Câmara. Foi deputado por dois mandatos consecutivos, por quatro anos líder do governo na Assembléia. A 3 de fevereiro de 1998 foi nomeado desembargador.

O CNJ dispõe de informações que o dinheiro de Damasceno é relativo a diferenças de vencimentos que não teriam sido pagas em dois períodos, de 1995 a 1998, e de fevereiro de 2000 a dezembro de 2002. Naquele primeiro período, portanto, ele ainda estava no Legislativo, como guardião dos interesses do governo de Alagoas. Em 2004, chegou à presidência do TJ. Assumiu por cinco meses a cadeira do desembargador Geraldo Tenório, que se aposentou.

O juiz Paulo Zacarias, presidente da Associação dos Magistrados Alagoanos, disse que 'com uma canetada o desembargador pagou a ele mesmo quanto quis, como quis'.

Damasceno não se manifestou sobre os R$ 666 mil. Na noite de quinta-feira, pelo celular, ele afirmou que não poderia falar sobre o assunto. 'Estou no meio de uma reunião e não é esse valor', ele disse rapidamente. Na sexta, o Estado fez 12 tentativas de contato com o corregedor, inclusive por e-mail encaminhado à sua assessoria contendo indagações acerca do montante depositado em sua conta. Não houve retorno. Uma secretária, que se identificou como Maria Izabel, informou que ele estava fora do tribunal, 'em viagem pelo interior'.