Título: PT antecipa congresso para tirar Berzoini
Autor: Paulo Moreira Leite
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/11/2006, Nacional, p. A9

Apareceu um novo lance na guerra interna do governo Lula sobre o comando da Radiobrás, estatal que controla três emissoras de TV, seis estações de rádio e um site de notícias. No fim de semana, o jornalista Bernardo Kucinski, ex-assessor do Planalto, encarregou-se de trazer a polêmica a público, divulgando no site Carta Maior um artigo com críticas à gestão de Eugênio Bucci, presidente da Radiobrás que decidiu deixar o posto a partir de 2007.

O alvo de Kucinski é a cobertura da Radiobrás que, longe do jornalismo chapa branca que marca sua história, teve uma postura equilibrada durante o primeiro mandato. Noticiou greves de funcionários, fez denúncias de meio ambiente e acumulou 3.500 reportagens sobre a crise do mensalão, aquele evento que, conforme a cartilha do PT, é uma 'construção jornalística'. Para Kucinski, a Radiobrás fez uma 'comunicação estatal que tem vergonha de ser estatal'. Ele também acusa a Radiobrás de não ter aproveitado a chance de 'contextualizar e hierarquizar melhor os fatos'.

Como sabe toda pessoa que já ouviu A Voz do Brasil, a Radiobrás sempre se ocupou em 'contextualizar e hierarquizar melhor os fatos' conforme o ponto de vista de quem está no governo - isso desde o Estado Novo. A discussão em curso no governo Lula situa-se na fronteira que separa o uso do Estado como aparelho de propaganda ou como instrumento para assegurar uma informação de qualidade à população.

'O Estado brasileiro sempre fez proselitismo, embora isso seja errado e até proibido por lei', afirma Bucci. 'Nossa gestão abandonou esse comportamento, para produzir informações de interesse do cidadão.'

Meses depois da posse de Lula, 20 mil servidores se uniram em Brasília para protestar contra a reforma da Previdência. Em seu noticiário, A Voz omitiu o protesto e registrou que 'um grupo de servidores' fora a Brasília fazer sugestões para 'melhorar a reforma'. 'Tivemos de mudar o projeto editorial. Não há lei que diga que nosso papel deve ser de relações públicas', afirma Bucci.

Embora faça um noticiário a anos-luz do que se conhecia no passado, a Radiobrás não divulgou as fotos do dinheiro destinado a comprar o dossiê Vedoin. A explicação é que suas regras internas impedem a divulgação de informações de fonte anônima - e, oficialmente, as fotos do dinheiro não eram chanceladas por ninguém.

Conhecido pelo respeito às formalidades - ele criou norma interna que obriga os funcionários da empresa a trabalhar de gravata -, Bucci marcou sua gestão por uma postura profissional. Elevou o número de funcionários contratados por concurso e foi ao mercado preencher cargos executivos. Alguns resultados apareceram. Há quatro anos, 700 emissoras de TV espalhadas pelo Brasil reproduziam o noticiário da Radiobrás. Este número agora passa de mil. Diariamente, 2 mil emissoras de rádio divulgam um pacote de reportagens preparado pela emissora - serviço criado em sua gestão. Em 2004, o site da Agência Brasil teve um pico de 2 milhões de acessos num dia, número equivalente ao que se atingia durante um mês.

Kucinski escreveu que, numa cobertura de 'caráter metafísico', a Radiobrás não produziu 'uma narrativa própria do governo Lula', raciocínio que leva à defesa de um noticiário politicamente dirigido.

'O governo não pode dirigir o noticiário', afirma Bucci. 'Governo é fonte e alvo de investigação. Deve ser fiscalizado e deve dar respostas.'

Em 2002, Kucinski chegou a ser cogitado para a presidência da Radiobrás. Foi preterido por Bucci, nomeado por Lula. Quatro anos depois, o ambiente é outro. A crítica de Kucinski integra um coro de petistas de vários escalões que depois da reeleição querem um terceiro turno contra a imprensa.

'Nenhuma distorção que possa ter ocorrido na iniciativa privada pode levar a uma contra-distorção da parte do Estado, que não pode abandonar o compromisso de servir ao cidadão', afirma Bucci.