Título: Voltando com tudo
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/12/2006, Notas e Informações, p. A3

Certamente durante o período em que ficaram ¿na moita¿, aparecendo o menos possível para que suas operações espalhafatosas (e criminosas) não atrapalhassem a campanha reeleitoral de Lula, o MST e seus coligados (CPT, MTL, MLST ou outras entidades com ¿T¿ na sigla e o esbulho violento na função) tiveram a boa oportunidade de recuperar energia para voltar com tudo, empreendendo operações mais ousadas, chocantes, capazes de desmoralizar (ainda mais) os poderes constituídos da República, o que, no fundo, sempre foi seu principal objetivo político-ideológico, embora disfarçado de luta pela reforma agrária. É o que demonstra a invasão do Porto de Maceió por cerca de 5 mil sem-terra, impedindo a entrada e a saída dos 3 mil caminhões que usam, diariamente, aquelas instalações, indispensáveis à atividade econômica de Alagoas. Realmente, a ocupação e interdição do porto da capital de um Estado, com todos os prejuízos que causa ao impedir o escoamento da produção (especialmente de açúcar e álcool da região), é verdadeiro ato de guerra - embora tenha sido encarada pelas autoridades federais como se não passasse de pacífica e festiva passeata.

O objetivo imediato da invasão - já que os permanentes nem precisam ser declarados - era a ¿agilidade na desapropriação dos 20 mil hectares da antiga Usina Agrisa¿. Depois de muitas negociações, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) cedeu, conseguindo que os invasores liberassem o porto com a promessa de o órgão governamental ajuizar de imediato, já na próxima segunda-feira, uma ação expropriatória de 10 mil hectares das terras reivindicadas. Quer dizer, quanto mais atrevido o ato de desrespeito à lei, mais rapidamente o governo atende às reivindicações. O ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, não deixou de manifestar seu langoroso queixume, insinuando que os sem-terra foram ¿longe demais¿: ¿É evidente que houve um exagero¿, disse ele, ¿porque o Incra fez todos os esforços para obter a imissão de posse da fazenda.¿ Mas, ao afirmar que ¿essa imissão de posse será obtida nos próximos dias¿, o ministro estimula mais exageros, incentivando os invasores a ousarem cada vez mais.

É verdade que, apesar do apoio eleitoral que sempre deram ao presidente Lula - e do ostensivo prestígio (com boné na cabeça presidencial e tudo o mais) que sempre obtiveram do chefe de Estado e governo -, o MST e asseclas coligados não deixam de ter acumulado algumas frustrações, em razão de promessas não cumpridas e atitudes, do governo Lula, que sentem como enganosas. Conclusões de um relatório anual sobre o meio rural da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos - formada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e outras entidades da área - apontam para o fato de a promessa de campanha do candidato Lula, em 2002, sobre uma ¿reforma agrária ampla, massiva e de qualidade¿, ter obtido, no governo Lula, um resultado ¿pífio¿ - apesar de o número de conflitos ter crescido 82,7%; o de ordens de despejo judiciais, 263%; e o de prisões, 140,5%.

Mas é o maior líder do MST, João Pedro Stédile, que faz a advertência mais contundente a seu companheiro chefe de Estado e governo, dizendo: ¿O governo tinha se comprometido, e assinado no Plano Nacional de Reforma Agrária, a assentar 420 mil famílias em quatro anos. Até agora, assentou mal e porcamente em torno de umas 150 mil. Está na hora de eles criarem vergonha. A nossa paciência tem limite.¿ E, já dando o tom com que pretende ser recebido (ou receber?) pelo presidente Lula para uma conversa, na próxima semana, o comandante Stédile foi logo avisando: ¿Lula, não nos tome como compadres.¿ Com certeza o líder emessetista pretendeu deixar claro que, ao contrário do presidente da República, não considera que as relações pessoais ou de compadrio possam substituir os relacionamentos institucionais.

Em outras palavras, não será a colocação dos bonés vermelhos logotipados, na cabeça presidencial, que esticará os períodos de trégua, ou de não-violência, no campo a prazos maiores do que os eleitoralmente necessários.