Título: O velho homem de esquerda que desafia os Sarney
Autor: Angélica Santa Cruz
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/10/2006, Nacional, p. A24

Jackson Kepler Lago usa um vocabulário recheado de elites dominantes e classes trabalhadoras. Mantém na parede de sua biblioteca fotos de Salvador Allende, Che Guevara, Fidel Castro e Luís Carlos Prestes. E é capaz de falar durante horas sobre os feitos de Leonel Brizola. Eleito para enfrentar Roseana Sarney (PFL) no segundo turno da disputa pelo governo do Maranhão, Jackson Lago (PDT) é um velho homem de esquerda.

Mas Jackson - pronuncia-se 'Jéquissum', pelo Maranhão adentro - chegou à segunda rodada das eleições ao lado de uma turma formada pelo governador José Reinaldo Tavares (duas vezes vice de Roseana e eleito com o apoio dos Sarney), Edson Vidigal (ex-ministro do STJ, indicado por José Sarney) e o deputado João Castelo (que construiu trajetória ao lado do clã). Então Jackson também é o candidato da situação.

O que fez o velho homem de esquerda virar o candidato da máquina foi a união entre o ódio e a ideologia de resultados. 'Todos eles foram muito ligados ao Sarney, mas romperam com ele. E, se eles estão contra a oligarquia Sarney, estamos juntos', explica Jackson. 'Funciona como a aliança entre católicos, marxistas e sandinistas para derrubar Somoza na Nicarágua.'

O político que ameaça tirar da família Sarney uma tradição de quatro décadas fazendo o governador do Estado já foi um bem avaliado prefeito de São Luís por três vezes, o que lhe deu um eleitorado fiel entre a classe média urbana e instruída do Maranhão.

Tem 72 anos, é casado, pai de três filhos, tímido, vascaíno e gosta de ler biografias e de comer torta de camarão seco. É médico especialista em cirurgias torácicas - que introduziu na região. Conta com uma biografia à esquerda que mistura até dramas pessoais e passagens folclóricas.

Em 1972, foi de carro com a primeira mulher visitar o ídolo Leonel Brizola em seu exílio no Uruguai. Na volta, bateu em um caminhão. 'Minha mulher morreu, eu fiquei em coma', conta. Ficou viúvo aos 37 anos, com três filhos de 4, 3 e 2 anos. 'Nessa época parecia que ele queria morrer também', lembra o senador Epitácio Cafeteira (PTB), que o iniciou na vida pública quando era prefeito, como secretário municipal de Saúde.

Poucos anos depois, Jackson casou-se com a médica Clay Lago, com quem vive em um amplo apartamento na Ponta de Areia, bairro nobre de São Luís.

Jackson nasceu em Pedreiras, interior do Maranhão, de pai comerciante e mãe dona de casa. Foi cursar medicina no Rio no fim dos anos 60, interessou-se por política e chegou a participar de uma trama abortada para seqüestrar um diplomata americano. Viu palestras de Leonel Brizola - e descobriu que queria se alinhar a ele na 'visão de mundo'. 'Brizola era um figuraça, um brasileiro', diz. É hoje vice-presidente nacional do PDT.

CHAMPANHE

Em décadas de vida pública, Jackson Lago nunca deixou de espinafrar a família que define como 'os donos do Maranhão'. Mas se enredou em um episódio que até hoje lhe vale acusações de que 'também já andou com os Sarney'. 'Na minha última campanha para a prefeitura, a Roseana liberou vereadores do PFL local para entrar em nossa chapa. Quando fui eleito, ela foi para a TV dizer: 'ganhei as eleições com o Jackson'', diz.

Depois de eleito, Jackson foi visto tomando champanhe com Roseana, com cara de aliado. No Maranhão, o episódio entrou para seu currículo como um deslize cabeludo à direita. 'Após as eleições, visitamos pessoas que nos apoiaram. Fui com Jackson ver também a Roseana. E lá veio ela, com uma garrafa de champanhe. E lá veio alguém, fotografar. Foi só isso', conta o prefeito de São Luís, Tadeu Palácio (PDT), ex-vice de Jackson e aliado fiel. 'Ele é meu mestre político.'

Roseana teve 47% dos votos no primeiro turno. Jackson teve 34% - e pretende ultrapassá-la contando com a máquina estatal, mas com aura de épico contra uma oligarquia. 'Ele é um homem curtido pelo sofrimento de ser oposição aos Sarney neste Estado, opção que pode massacrar uma pessoa. Vou fazer tudo o que puder para ele ganhar', avisa seu apoio mais importante, o governador José Reinaldo Tavares (PSB), que rompeu com os Sarney em 2004.