Título: A OAB ameaça seus `inimigos¿
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/11/2006, Notas e Informações, p. A3

Além de recorrer a métodos censuráveis para alargar o saturado mercado de trabalho para os bacharéis em direito, tentando obrigar cidadãos e empresas a contratar serviços legais de que não necessitam, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) está agora apelando para expedientes ainda mais condenáveis.

A pretexto de combater autoridades que violam as ¿prerrogativas¿ da corporação, a seccional paulista criou há dois anos uma ¿lista negra¿ que já tem mais de 180 nomes. Em sua maioria, são juízes, desembargadores, promotores e procuradores. Mas a lista também inclui jornalistas, delegados, policiais, serventuários judiciais, gerentes de banco, vereadores da capital e do interior e até uma Câmara Municipal completa ¿ a da cidade de Mogi-Guaçu.

Essas pessoas foram incluídas na ¿lista negra¿ da OAB/SP por se recusarem a receber advogados ou por não terem acolhido reivindicações por eles encaminhadas. A entidade argumenta que os incluídos na lista praticaram ¿atos incompatíveis com o exercício da advocacia¿. Na prática, o que a corporação quer é retaliar quem não cede a pressões de seus integrantes, negando-lhes o registro profissional para que possam advogar, quando se aposentarem das funções atuais.

Além da seccional paulista, a seccional da OAB do Rio de Janeiro adotou a mesma estratégia em setembro e os sites jornalísticos especializados no setor, como o Consultor Jurídico, informam que outras seccionais estão sendo estimuladas a promover ¿campanha de caça¿ a seus inimigos. ¿Um homem que nunca respeitou o advogado não pode depois participar dos quadros da advocacia. O cadastro não tem nada de ilegal. A autoridade (um juiz ou um promotor) sofre um processo interno na Ordem, há um julgamento público pelo conselho de prerrogativas em que a autoridade pode se manifestar e desse julgamento ainda cabe recurso para o conselho da seccional. Só então, com o processo transitado em julgado, é que o nome entra para o rol das autoridades que ofenderam a advocacia¿, diz o advogado Mário de Oliveira Filho, o mentor dessa estratégia.

Ao negar registro profissional a quem eventualmente desagradou a algum advogado, a OAB está exorbitando de suas funções, procurando intimidar funcionários de empresas particulares e servidores dos poderes públicos, que têm regras e procedimentos para cumprir e não podem em hipótese alguma acolher pretensões absurdas de determinados bacharéis. A criação do cadastro e a negação de inscrição a quem nele estiver incluído configuram uma acintosa forma de chantagem que fere as liberdades públicas e o próprio Estado de Direito. Em outras palavras, a medida é inconstitucional, permitindo a quem for atingido impetrar ações de indenização por dano moral contra a OAB, como lembram os diretores da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).

Em contundentes notas de protesto divulgadas esta semana, a Ajufe, a AMB, a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), a Associação Nacional dos Procuradores da República e a Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo afirmam que o julgamento de denúncias de violações de prerrogativas de advogados cometidas por juízes e promotores é de responsabilidade das corregedorias do Judiciário e do Ministério Público. Além disso, dizem essas entidades, a OAB já tem dois representantes no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que foi criado para promover o controle externo do Judiciário e do Ministério Público. ¿A previsão do cadastro confere às seccionais da OAB a oportunidade de julgar juízes por atos praticados no exercício de suas funções, em detrimento das atribuições conferidas às corregedorias e ao CNJ, competência que não lhes foi outorgada pela Constituição¿, conclui a nota da Ajufe. ¿A entidade (OAB/SP) recupera práticas hediondas (...) do antigo Dops, desrespeitando a honra e a intimidade dos listados sem qualquer fundamento legal¿, diz o juiz Marcos Fava, diretor da Anamatra.

No passado, lembram juízes e procuradores, a OAB se destacou por defender a democracia e o Estado de Direito. Hoje, a entidade confunde a defesa de suas prerrogativas com a reivindicação de pretensões absurdas e cartoriais.