Título: Ataque a SP vira arma em disputa por espaço político
Autor: Paulo Moreira Leite
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/11/2006, Nacional, p. A8

A palavra 'despaulistização' é o vocábulo da moda no segundo mandato do presidente Lula. Se fosse aplicado ao terreno das idéias econômicas, o termo poderia ser bem-vindo, quando se constata que as imensas desigualdades regionais do País têm diminuído menos do que se esperava (leia texto abaixo). Aplicado ao mundo político, não passa de uma bandeira de políticos do PT e do PSDB que negociam cargos e prestígio em Brasília, universo onde personalidades de São Paulo marcam presença de relevo em ministérios, em tribunais superiores e outros postos da cúpula do aparelho estatal. Com 9 ministros paulistas em uma equipe de 34 integrantes, Lula enfrenta pressões idênticas àquelas vividas por seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, acusado de montar um 'paulistério'.

'A discussão não é saber se existem muitos ou poucos paulistas', admite o deputado mineiro Roberto Brant (PFL), que foi ministro da Previdência no governo FHC. Para Brant, 'no Brasil de hoje os melhores profissionais de quase todas as áreas se encontram em São Paulo'. 'Se você quiser fazer um bom governo, terá muitos ministros paulistas e isso não tem nada a ver com política, mas com preparo técnico', acrescentou. A visão do deputado apóia-se num conjunto de verdades estabelecidas. Sem esquecer dramas de um Estado que enfrenta questões graves em áreas como saúde, segurança e educação, nas últimas décadas São Paulo não só deu ritmo para o conjunto da economia brasileira como também criou um ambiente cultural cosmopolita e uma vida acadêmica respeitável para os padrões brasileiros.

'Há exceções, mas não adianta negar: fora de São Paulo, o ambiente se tornou provinciano', diz Roberto Brant. 'Isso não é um problema dos paulistas, mas do Brasil. Só vai mudar quando o País mudar.' O deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) está convencido de que 'essa conversa de paulistização é pouco séria, típica de quem está de olho em coisas menores'. Na luta interna por mais espaço no governo, o ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, falou em 'paulistas' para se referir à origem do abismo ético do PT. As preocupações podiam ser justas, mas a geografia de Tarso foi traída pela memória seletiva, já que o escândalo do jogo do bicho marcou para sempre o PT gaúcho.

Quando se recorda a divisão regional do País nas eleições de 2006 - fenômeno inédito em termos históricos -, essa postura tem lógica, ao menos eleitoral. Lula chegou a dizer em comícios que não era possível governar o País 'com a cabeça da Avenida Paulista'. Ele foi reeleito com apoio imenso do eleitorado de Norte, Nordeste e Centro-Oeste, regiões que concentram mais de 70% da população beneficiada pelo Bolsa-Família.

ZIRALDO

No PSDB, os adversários de José Serra estimulam conversas em que a condição de não-paulista de Aécio Neves é vista como vantagem comparativa para disputar a Presidência da República em 2010. Em Minas Gerais, Ziraldo escreveu um artigo no jornal O Tempo, em que pedia votos para o candidato do PT. 'Nós, mineiros, andamos de pinimba revolucionária com a paulistada', dizia o cartunista. E concluía: 'Não quero de volta os hipócritas da paulicéia desvairada.'

O Estado ouviu pesquisadores que mergulharam em grupos de discussão com eleitores durante a campanha. Um deles alega que só no Rio ouviu referências negativas a São Paulo. 'Mas aí é uma rivalidade antiga', disse. Rui Melo, pesquisador de Goiânia que montou cem grupos de discussão em 2006, que lhe permitiram ouvir perto de mil eleitores, informa que essa questão nunca apareceu nas discussões. 'Não havia esse sentimento', constatou. Para ele, Alckmin não foi prejudicado por ser governador de São Paulo, mas porque 'nunca deixou de ser um político estadual, não ganhou estatura nacional'.

'Essas críticas a São Paulo são injustas', afirma o governador Cláudio Lembo. 'Este é o Estado mais brasileiro.' Lembo enumera: 'Lula nasceu em Pernambuco, mas é paulista. Fernando Henrique nasceu no Rio, mas se fez em São Paulo. O Aldo Rebelo nasceu em Alagoas, mas chegou a presidente da Câmara depois de se eleger com o voto dos paulistas.'

PAPEL

Com o segundo mandato de Lula, o País completará sete governos desde a volta do poder aos civis. Neles, paulistas por adoção tiveram a Presidência em quatro mandatos - dois de Lula e dois de FHC. Exerceram também influência notável em outros dois - José Sarney e Itamar Franco. Apenas sob Fernando Collor foram mantidos à distância. Políticos paulistas também tiveram papel destacado na elaboração da própria Constituição.

Lembo acha que isso tem explicação histórica. Ele descreve a transição do regime de 1964 à democracia como um processo que, mesmo de estatura nacional, teve seu centro na mobilização da sociedade civil de São Paulo, onde empresários pressionavam pela privatização de estatais, o sindicalismo fazia greves e estudantes enfrentavam a polícia nas ruas. 'Uma luta social dessa natureza só poderia começar numa sociedade de costumes políticos mais evoluídos, onde a população não é tutelada', acredita.