Título: Reduzir as tropas no Iraque é imperativo
Autor: Roger Cohen
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/11/2006, Internacional, p. A21

As palavras de despedida de Donald Rumsfeld foram rebuscadas. Ele falou de uma 'guerra estranha - a primeira do século 21, complexa demais para as pessoas entenderem'. Mas o povo americano entendeu a coisa a ponto de dar o controle do Congresso aos democratas e obrigar Bush a demitir Rumsfeld.

O Iraque é, de fato, complicado. Entre outras coisas, a invasão pretendeu romper uma situação disfuncional no Oriente Médio. Derrubou uma ditadura stalinista com veleidades islâmicas e um governante monstruoso. Fez tremer regimes autoritários de Damasco ao Cairo.

Muito se falou dos erros táticos de Rumsfeld. Mas estes são ofuscados pela falha estratégica de não considerar as implicações da revolução que a invasão provocaria: a substituição de uma minoria sunita fortemente armada e convencida de seu direito de governar por uma maioria xiita agitada e oprimida.

Quando ditaduras acabam em países de frágil composição multiétnica e multirreligiosa, a liberdade raramente é compreendida como um convite à democracia liberal. É entendida pelos diferentes grupos como uma chance de se livrar dos outros. Como o Iraque é uma criação (infeliz) da Grã-Bretanha, teria sido útil refletir sobre as revoltas que se seguiram à retirada britânica da Índia, em 1947.

A guerra atual foi dominada pela emoção e pela convicção ideológica. Aí repousam sua audácia impressionante e seus lamentáveis fracassos. Agora estamos metidos num conflito religioso, tribal, sectário, anticolonial, existencial e revolucionário. É mais do que dá para agüentar.

Mas o que fazer? Segundo o princípio de que ninguém jamais lavou um carro alugado, xiitas, sunitas e curdos não vão limpar o Iraque se não se convencerem de que são os donos do país. Os últimos anos da presidência Bush parecem um período razoável para a substituição da ocupação por uma guarnição capaz de impedir o pior, mas não tão grande a ponto de dar aos iraquianos uma desculpa para a carnificina sem fim.

Robert Gates, o substituto de Rumsfeld, trabalha com o ex-secretário de Estado James Baker num relatório bipartidário sobre o Iraque. Não há dúvida de que um esforço de ambos para conversar com Irã e Síria mudaria a dinâmica no país. Damasco e Teerã uniram-se no desejo de ver os EUA derrotados no Iraque. Mas a Síria defende um renascimento sunita baathista, enquanto o Irã apóia o domínio xiita. A diplomacia inteligente dos EUA poderia causar uma divisão.

O Oriente Médio vive a situação mais fluida das últimas décadas. Da hoje comprometida Revolução dos Cedros no Líbano aos reprimidos movimentos democráticos no Egito, passando pela guinada da Líbia em direção ao Ocidente e até mesmo pela agonizante busca da democracia no Iraque, os sinais de mudança são reais. São contestados, mas existem. Este golpe no mumificado corpo político árabe-muçulmano representa um conquista duradoura da invasão.