Título: O homem mais poderoso do Iraque
Autor: Colbert I. King
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/11/2006, Internacional, p. A22

A pergunta dirigida semanas atrás ao escritório de imprensa do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSC, na sigla em inglês) era direta: 'O grão-aiatolá Ali Sistani se reuniu com algum funcionário dos Estados Unidos, militar ou civil, desde a invasão americana de 2003?'A resposta revela como o governo do presidente George W. Bush está - e sempre esteve - desnorteado no Iraque.

O aiatolá Sistani é a figura mais poderosa do Iraque. Sob o reinado de Saddam Hussein, ele foi forçado a manter um comportamento discreto, pois ele fazia parte da maioria xiita que o governante Partido Baath controlava com mão-de-ferro. Sistani era alvo de tentativas de assassinato por parte dos capangas de Saddam Hussein. Mas tudo isso mudou em 2003, quando os Estados Unidos derrubaram o regime iraquiano.

Hoje, os xiitas de Sistani são a principal força política do Iraque. Eles são líderes no novo governo; controlam o importante Ministério do Interior; e um dos seus dirigentes, Nuri al-Maliki, é primeiro-ministro. Não fosse a libertação do Iraque da tirania de Saddam pelas tropas dos Estados Unidos, Sistani e seus seguidores ainda estariam sob o domínio dos sunitas.

O iraquiano médio pode não ficar feliz ao ver o país ocupado por forças estrangeiras. No entanto, se algum iraquiano deve sentir alguma gratidão em relação a seus libertadores americanos, mesmo que tímida, é o grão-aiatolá. Afinal, ele é o maior beneficiado pela derrota de Saddam. Não é exagero acreditar que, se o presidente dos EUA visitar o Iraque, Sistani pelo menos se encontrará com ele frente a frente para dizer muito obrigado.

Pensem de novo. Voltemos à pergunta que iniciou este artigo: Ali Sistani se reuniu com algum funcionário americano nos últimos três anos e meio? Frederick Jones, o diretor de comunicação do NSC, afirmou que nenhum funcionário americano se encontrou com o grão-aiatolá.

Mas como isso é possível? - vocês poderiam perguntar. Afinal, desde a derrubada da estátua de Saddam Hussein, o Iraque foi visitado duas vezes pelo presidente Bush. O vice-presidente Dick Cheney também esteve lá. Dois secretários de Estado diferentes - o anterior, Colin Powell, e a atual, Condoleezza Rice - já apareceram por lá, assim como o secretário demissionário da Defesa, Donald Rumsfeld, incontáveis funcionários de alto escalão do Pentágono e senadores e deputados americanos suficientes para garantir um anexo parlamentar na Zona Verde, a área superprotegida do centro de Bagdá).

Como é possível que os líderes da nação mais poderosa do mundo - um país que generosamente enviou 140 mil de seus melhores filhos e filhas para lutar, sofrer e morrer a fim de livrar o Iraque do controle baathista - não tenham se encontrado com o líder iraquiano que mais teve a ganhar com a derrota de Saddam Hussein? É que Ali Sistani se declarou proibido para os americanos. O aiatolá não deixará que Bush, Cheney, Rice e companhia o vejam porque não são muçulmanos e portanto, segundo ele, são kafir, ou infiéis. Sistani se considera bom demais para se encontrar com aqueles que o libertaram.

O estranho é ouvir o pessoal em Washington falar das opiniões de Sistani como se tivesse acabado de conversar com ele ao telefone.

'Sistani não quer que os clérigos tenham um papel no governo', garantiu-me um especialista em política externa de Washington. 'Sistani acredita que o islamismo deve ser a religião nacional', disse outro. 'Sistani é um pragmático', sustentou um terceiro. Tudo isso é afirmado com confiança, quando na verdade essas pessoas só sabem o que ouviram de terceiros - um intermediário muçulmano ou um representante enviado por Sistani.

Bush e seu alto comando nunca puseram os olhos nesse homem. No entanto, Sistani os controla como se eles fossem marionetes. Parece algo saído de O Mágico de Oz. Considerem o que ocorreu em 2004: entrincheirado num bairro pobre da cidade de Najaf, a quilômetros de Bagdá, o invisível Sistani conseguiu impedir, sozinho, que os Estados Unidos promovessem a entrega do poder sem eleições. Ele fez isso emitindo uma fatwa (decreto religioso) que levou milhares de pessoas às ruas. O pessoal de Bush foi obrigado a recuar. Uma lei foi redigida, levando à realização de eleições em 2005.

O principal concorrente de Sistani não são os Estados Unidos, e sim um clérigo xiita antiamericano, Moqtada al-Sadr, e sua milícia, o Exército Mehdi - que se infiltrou em unidades militares e policiais iraquianas. O Parlamento iraquiano, verdade seja dita, responde aos chamados do clérigo incendiário.

Aonde chegamos? Além de Muqtada al-Sadr, o Iraque está hoje sob a influência de um clérigo muçulmano, Ali Sistani, que, segundo a revista Newsweek, proíbe a música para entretenimento, a dança e o xadrez, e também proíbe as mulheres de apertar a mão de qualquer homem que não seus pais, irmãos ou maridos. O objetivo do grão-aiatolá resume-se a promover a teologia xiita e a manter o Iraque como um Estado democrático, mas decididamente islâmico.

Bilhões de dólares gastos, milhares de americanos mortos ou mutilados, tropas americanas exaustas, sobrecarregadas e trabalhando sem parar - para quê? Era isso que George W. Bush tinha em mente?